Quem diria?

Autor: Daniel Lucrédio

Você chegou!

Eu sabia que viria um dia, é claro, mas não tinha como saber o dia exato. Agora que sei, confesso que estou sentindo um leve tremor tomando conta de mim.

Seus passos são tímidos, reticentes. Eu a observo de longe enquanto procura por mim. Ainda não posso ver seu rosto, mas tenho certeza que você vai estar brava. Sempre foi meio esquentadinha.

Você olha em minha direção e me vê. Mais uma vez, tremo nas bases. Só pelo movimento do seu pescoço eu percebo que você já sabia onde eu estava, só queria evitar ao máximo apontar seu olhar para cá.

Você se vira de lado e… beija alguém! Você não veio sozinha, alguém está do seu lado. Não deu tempo de ver quem era, pois a pessoa se afastou. Parecia ser um homem, e eu acho que sei quem é.

Bom para você!

Agora sim, você começa a se aproximar. Continua evitando olhar para mim, mas eu já sei que você veio falar comigo. Turrona do jeito que é, aposto que vai olhar pra mim somente no último instante. Eu, não. Vou te acompanhando o tempo todo. Quando chega perto, vejo que tinha razão.

Está com cara de brava.

— Oi — você diz, sem olhar para mim.

— Oi.

Você está pensando no que dizer. Ou melhor, você já sabe o que quer dizer, só não sabe como. Então eu espero.

Você enfim diz:

— Eu queria primeiro pedir desculpas por demorar tanto para vir falar com você. Desculpa.

— Não precisa se desculpar, Bia. Eu entendo. As coisas não acabaram do jeito que a gente queria, né?

— Eu também queria falar outras coisas, mas é difícil…

— Eu sei que é. Não precisa falar, se não quiser, viu?

— É que…

— Bia…

— Não, eu tenho que falar! Eu vou falar.

Sua cara parece ainda mais brava, e eu sei o que vem por aí. Eu te conheço. Quando respira fundo desse jeito, é porque vai começar a despejar tudo. E eu sei que é hora de escutar.

— Tá bom, Bia. Fala.

— Eu estou muito brava com você!

— Não me diga!

— Eu sei que não deveria, mas eu estou, fazer o quê? Eu ainda não consigo lidar muito bem com essa situação. E a culpa é sua!

— Minha?

— Sabe, Leonardo, se alguém me dissesse, há dois anos atrás, que hoje a gente não estaria junto, eu iria rir da cara da pessoa. Eu diria que ela não sabe de nada! De nada!

Fico em silêncio.

— Era capaz de eu sair no tapa. — Você ri de seu próprio absurdo. — Onde já se viu? Duvidar assim do nosso amor? Da nossa história juntos?

— Eu sei…

— Essa pessoa devia estar com muita inveja da gente, isso sim! E não tô mentindo, eu…

— Eu acredito em você, Bia.

— Eu realmente acreditei na gente, sabe por quê, Leonardo?

— Acho que sei.

— Porque você me prometeu! Disse que a gente ia ficar junto p-pra s-sempre! — Você começa a chorar.

— É, sabia que ia chegar nisso.

— E eu acreditei, cara!

— Eu não devia ter dito isso, mas você sabe que foi sincero. Na época, foi sincero.

— Eu sei… — Seu queixo começa a tremer. — Eu também fui boba de acreditar. Bem que me avisaram.

— Avisaram, é?

— Disseram pra eu não colocar tanta fé num relacionamento tão complicado que nem o nosso. Nisso eu não acreditei. — Você ri um pouco. — Quem diria?

— Quem falou isso pra você? Pensando melhor, nem precisa falar. Foi sua mãe, não é? Ela nunca gostou de mim.

— É… eu devia ter sido menos… sei lá.

Não digo nada. Você me olha. Finalmente, posso ver seus olhos! Vejo que você ainda me ama. Depois de tanto tempo, ainda me ama.

Não deveria.

Você ainda me olha. Respira fundo e continua:

— Talvez eu devesse ter me afastado de você, quando as coisas começaram a piorar. Mas eu não tive coragem.

— Eu nunca poderia te pedir uma coisa dessas, mas hoje vejo que teria sido melhor, sim.

— A culpa, pra variar, é sua, de novo.

— Lá vem. — Tento sorrir. — O que eu fiz?

— Por que você tinha que ser tão carinhoso?

— Bia, não…

— Tão gostoso!

— Bia, assim você…

— Léo… eu sinto tanta saudades de você. Do seu toque, seu carinho… Sinto falta de transar com você!

Olho para os lados. Pelo jeito, ninguém ouviu. Você fala, com a voz trêmula:

— Eu faria tudo pra te ter nos meus braços de novo. Faria… tudo…

— Não fala isso…

— Você não imagina quantas vezes eu já pensei em largar tudo, só pra gente ficar junto de novo!

— Não fala isso, Bia. Acabou, você precisa me esquecer, partir pra outra.

Você agora chora ainda mais, é claro. É difícil enfrentar a realidade, mas é necessário.

— Eu ainda me lembro do nosso último beijo.

— Não, essa lembrança é triste, não vai…

— No fundo, eu acho que eu já sabia que ia ser a última vez que a gente ia se beijar, sabe? Eu acho que só não tava pronta pra encarar os fatos.

— Não tinha como saber…

— Você sabia, não sabia?

Eu não respondo. Não tenho coragem de confirmar. Você acena e continua:

— Sabia. Você já estava estranho antes, evitando me olhar nos olhos, evitando me tocar… Você sabia que tinha coisa errada, mas não queria me contar.

— Eu sei que não adianta falar isso agora, mas eu tava tentando te proteger.

Você nega com a cabeça. Não posso censurá-la por isso. Eu também negaria.

— Eu sonho com aquele beijo todos os dias, Léo. Mesmo sabendo que já era tarde demais. Mesmo tendo sido um beijo MERDA, ainda é melhor do que essa DROGA que é ficar longe de você!

Você cai de joelhos, finalmente cedendo ao peso em suas costas. Sua cabeça tomba para a frente. As lágrimas não estão mais pingando. Estão escorrendo, como cascatas de dor.

— Eu sinto muito, Bia.

— S-sinto tanto sua falta, Léo.

— Você precisa aceitar que acabou, Bia. Vai ser melhor pra você.

— Eu quero ficar junto de você.

— Não podemos.

— Me deixa ficar aqui, do seu lado? Eu quero ficar a-aqui-i só mais um p-pouquinho…

As pessoas começam a olhar para você, preocupadas com o que está acontecendo.

— Hein? Vamos? Ficar juntos de novo?

Eu não respondo mais. Não há resposta racional que a satisfaça.

— Por que não me responde? — Você insiste.

Permaneço mudo.

— POR QUE NÃO ME RESPONDE?

A cena agora virou um teatro. Você está fora de si, perdeu todo o autocontrole e a compostura. Nem que eu quisesse te consolar, poderia. Já não cabe mais a mim.

— ANDA, LEONARDO! ME RESPONDE! Eu vim aqui pra falar um monte de coisa e você fica aí, quieto! ME RESPONDEEEE!

Vejo quando ele se aproxima. Ele te ouviu gritando e veio te ajudar. Ele se ajoelha ao seu lado e sussurra em seu ouvido:

— Vamos, filha. Vamos embora.

Você não responde ao seu pai, mas se deixa erguer. Ele passa as mãos ao redor dos seus ombros e a aconchega como só um pai pode fazer.

— Tchau, Léo. Se cuida — ele diz, olhando para mim.

Ele também tem lágrimas nos olhos.

— Tchau.

Vejo vocês se afastando e respiro aliviado. Não quero vê-la sofrer.

Obrigado pela visita, Bia. Sei que foi dolorido, mas você precisava. Volte sempre que precisar, estarei aqui, neste mesmo lugar.

Ah, da próxima vez, traga flores.

Aparentemente, é um costume por aqui.



Fim



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