Amores Sintéticos

Noemi

Capítulo 1 - A barata

Olhou pela janela. A chuva não parecia diminuir.

“Ora, que se dane, vou embora assim mesmo. Um pouco de água não faz mal a ninguém!”

Noemi começou a fechar os programas em seu computador e arrumar os pedaços de papel jogados em cima da mesa. A maioria ia para as gavetas, organizadas em pastas minuciosamente etiquetadas. Aquilo que não tinha um lugar predeterminado ia para o lixo, nem que isso significasse retrabalho no dia seguinte. Era um hábito que ajudava a manter o local — e a mente — sempre organizados.

Quando estava quase terminando, ouviu o barulho de passos. Alguém estava correndo. Levantou a cabeça para ver, através das divisórias de vidro esfumaçado, a silhueta borrada de um de seus subordinados dando uma volta pelo escritório. Acompanhou-o por alguns segundos até que ele parou na porta e bateu três vezes:

— Chefe? Posso entrar?

— Entra.

O rapaz obedeceu e se aproximou, esbaforido.

— O que foi? Já estou indo embora.

Ele entregou um pedaço de papel.

— Chegou agora mesmo, é urgente.

Ela olhou para a cara do rapaz. Seu nome era Ramiro. Jovem, tinha cerca de dezoito anos, conforme denunciava seu rosto ainda marcado por resquícios da acne que certamente o afligiu na adolescência recente. Tinha um brilho inocente no olhar, que na polícia só era visto nos novatos.

— Amanhã eu vejo isso.

— Chefe — insistiu o rapaz —, eu acho melhor a senhora ver agora. Está todo mundo comentando, já saiu em todos os noticiários.

Tentando disfarçar a leve irritação, Noemi respondeu com um sorriso:

— Senhora?

— Desculpe, chefe. — Ele sorriu sem graça. — Acho melhor você ver isso logo.

Relutante, ela pegou o papel nas mãos. Era um comunicado oficial:

“À divisão de homicídios da regional cento e dez. Um robô foi assassinado no bairro Cidade dos Ingleses.”

— Um robô? Assassinado? — exclamou Noemi, interrompendo a leitura.

— Não se fala em outra coisa — respondeu o rapaz, animado. — Por que acha que alguém faria isso?

— Não faço a menor ideia.

— Será que o robô estava com defeito? Ou será que…

Noemi parou de prestar atenção para continuar a leitura do memorando:

“A perícia já foi notificada e está a caminho. Dois policiais que atenderam ao chamado se encontram no local. Já há forte presença da mídia. Enviar equipe imediatamente.”

— Droga de repórteres, parece que recebem os chamados antes de nós. Quem está de plantão hoje?

— Gimenes.

Noemi fez uma careta. Não confiava muito no time desse seu subordinado, mas teria que servir. A outra opção seria ela mesma ir até o local, o que não estava nem um pouco a fim de fazer naquele momento. Por fim decidiu:

— Mande-o para lá. Deixe claro que a ordem é apenas segurar a barra até a perícia chegar e eu conseguir pensar em alguém com um cérebro de verdade para assumir o caso.

Ramiro sorriu, e Noemi percebeu a gafe. Acrescentou:

— Bem, pode suprimir essa última parte.

— É claro, chefe. E aí? Em quem está pensando?

— Suponho que eu mesma. Amorim e Peixoto já estão com outros trabalhos no colo e que estão longe de serem concluídos. Não tenho certeza. Eu nunca trabalhei com robôs antes… vou pensar, amanhã eu decido.

— Definitivamente tem que ser a senhora.

— O que foi que eu disse sobre “senhora”? — Ela ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços, desafiadora.

— Me desculpe, Noemi. — Ele sorriu, sem graça.

— Eu não sou tão mais velha assim do que você, Ramiro.

— É o hábito, me desculpe.

— Não esquenta. — Deu uma piscadela. — Bem, amanhã eu vejo isso. Até.

Enquanto ela se dirigia à saída, Ramiro arriscou mais uma conversa:

— Ei, chefe…

— Sim? — Ela se virou, com um sorriso que agora já tinha muito mais de irritação do que simpatia. Ramiro disse:

— Bem, já que nossa diferença de idade é pequena… E se nós dois, um dia desses…

Aquilo a pegou de surpresa. Ele a olhava de um jeito diferente. Se antes seu olhar era de curiosidade profissional, agora parecia outra coisa. Sem querer desapontá-lo, ela começou:

— Ramiro, eu…

— Relaxa, chefe. — Ele deu um sorriso debochado. — Estou zoando com você.

Comprimindo os lábios para suprimir um xingamento, ela abaixou a cabeça, sem graça. Sem olhar para ele, esticou o dedo médio. Apesar do gesto rude, foi com um sorriso contido no rosto que se virou de costas e finalmente saiu da sala.

Enquanto caminhava pelos corredores da delegacia, percebeu que o lugar estava praticamente vazio.

“Droga, já é tão tarde assim? A Tati vai me matar!”

Ela não gostava de ficar até tarde, pois quase sempre ficava com uma sensação de solidão e abandono. A divisão de homicídios já não era particularmente movimentada, com apenas vinte e duas pessoas sob sua supervisão. Considerando a enorme densidade populacional da região, era um milagre que os criminosos ainda não tivessem tomado conta de tudo. A sensação de impotência e a certeza de que estavam à beira do caos pairavam nos cantos das salas bagunçadas, sem que ninguém, exceto Noemi, parecesse dar importância.

— Boa noite, pessoal. — Ela sorriu ao saudar um trio de policiais carrancudos em suas mesas. Eles mal a olharam, apenas acenando com a cabeça em uma resposta seca. Outros poucos presentes também não se deram ao trabalho de retribuir a saudação amigável da delegada.

Diferente de Ramiro, que a tratava de maneira mais leve e brincalhona, o comportamento evasivo dos policiais quase sempre piorava a sensação de solidão que Noemi enfrentava diariamente. A maioria evitava olhar diretamente para a figura imponente da chefe, e isso a incomodava. Era algo com que não sabia lidar plenamente, pois não tinha muito tempo no cargo. E não foi uma conquista fácil, como muitos ali pareciam implicar — ou desejar, lá do fundo do poço de sua inveja.

Desde que entrou na polícia, ainda jovem, passou muitos anos cumprindo serviços burocráticos e tarefas sem importância. Quando surgiu uma vaga de investigadora na divisão de homicídios, abraçou a oportunidade com unhas e dentes. Diminuiu drasticamente a quantidade de compromissos sociais para poder estudar mais. Trocou festas, shows, jantares e encontros amorosos, que ocupavam tipicamente de cinco a sete noites por semana, por horas sentadas em uma cadeira de uma sala de aula com o nariz enfiado nos livros. Não conseguiu na primeira vez, nem na segunda e nem na quarta; mas não demorou para que seu esforço fosse recompensado. Quando ganhou seu distintivo e a honra de participar da investigação de assassinatos reais, decidiu que não pararia ali.

Sua reputação foi crescendo à medida que demonstrava uma competência ímpar. Noemi não se considerava brilhante; não acreditava ter a mesma capacidade analítica nem os instintos certeiros que alguns de seus colegas mais experientes pareciam ter recebido ao nascer. Contudo, compensava isso com uma enorme dedicação à análise minuciosa e detalhada de todas as pistas e um talento inato para não desprezar nada nem ninguém durante uma investigação. Diziam que ela tinha uma memória de elefante, mas a verdade é que era apenas muito mais organizada do que a maioria.

Passaram-se somente cinco anos até que se tornasse delegada. Quando a ocupante anterior do cargo morreu em um acidente de trânsito, Noemi assumiu a vaga com ampla vantagem sobre os demais postulantes. A antiga delegada morreu jovem, com apenas cinquenta e três anos de idade, e foi apenas por esse motivo, diziam, que Noemi conseguiu o cargo. Ninguém esperava que a vaga surgisse tão cedo, portanto não houve tempo para se preparar direito para a disputa. Assim, ao invés de um policial experiente e com bastante tempo para galgar os degraus até o topo por meio de bajulação e negociações políticas, venceu a profissional mais preparada, e a divisão de homicídios passou a ser comandada por alguém com competência técnica reconhecida. Em teoria, isso deveria facilitar sua aceitação no departamento; mas, na prática, significava que os membros mais experientes e influentes estavam corroídos pela inveja e não hesitariam em incentivar uma cultura de oposição e isolamento da nova chefe.

Além disso, Noemi era alta e tinha uma postura confiante. E era bonita, acima da média, o que era razão mais do que suficiente para intimidar outros seres humanos. Também não ajudava o fato de que quase sempre usava botas de salto alto, combinadas com calças jeans justas e uma camisa social por baixo de uma jaqueta de couro curta. Apesar de ser uma escolha simples e confortável, essa combinação tinha um efeito colateral indesejado: a maioria dos policiais, especialmente os homens, passava o mínimo de tempo possível olhando-a nos olhos, mas não hesitava em virar os pescoços para admirar suas curvas quando ela passava.

Ela percebia e odiava isso.

Mas também não achava justo mudar seu estilo de se vestir. Como resposta, fazia questão de ostentar um olhar simples e direto o tempo todo durante as interações com seus colegas, pacientemente esperando até que o gesto lhe fosse retribuído sem ousar desviar seu foco. Mesmo quando se via obrigada a dar os esporros mais desmoralizantes, sempre buscava esperar até que seus subordinados levantassem os olhos novamente antes de encerrar a conversa, quase sempre amenizando o clima com uma palavra ou gesto mais brando.

Esse era seu jeito de ser; seu jeito de lutar a eterna disputa entre ser ela mesma, conquistar a amizade dos colegas e fazer seu serviço de forma eficiente. Naquele início de noite, a batalha pendia para o lado da inimizade e do afastamento. Não recebeu nenhum tipo de recíproca ao seu sorriso. Até mesmo a brincadeira feita antes por Ramiro, que tinha trazido um pouco de energia e calor humano, tinha perdido o efeito.

“Você não está aqui para fazer amigos.” — O pensamento recorrente surgia com frequência desanimadora.

O ponto de táxi não ficava próximo à entrada do edifício, e Noemi precisou caminhar alguns metros na chuva. Ao chegar no local, levantou a mão para sinalizar que queria um táxi. Uma luz amarela começou a piscar em um poste a poucos metros de distância, indicando que um veículo estava sendo requisitado.

Para seu desânimo, a cobertura plástica do ponto de táxi estava quebrada, reduzindo a proteção contra a chuva a um mísero pedaço de área seca. E como todos os cantos daquela cidade lotada de gente, não tinha muito espaço livre. Havia cerca de dez pessoas espremidas ali, a maioria apenas interessada em ficar seca, e não esperar por um dos caros veículos voadores.

Noemi se espremeu como podia, e até conseguiu ficar com a cabeça e os ombros protegidos; mas o mesmo não podia ser dito sobre suas pernas, que rapidamente começaram a ficar encharcadas.

“Droga, minhas botas!”

Abaixou-se e as tirou, junto com as meias, obrigando-se a pisar descalça no chão gelado. Olhou para as botas e comemorou o fato de estarem secas por dentro.

A luz amarela ficou verde. Um veículo tinha sido localizado e em breve chegaria ao local.

Enquanto esperava, respirou fundo, tentando expulsar as más energias e o cansaço acumulados ao longo do dia. Estranhamente, a sensação dos pés descalços no chão molhado se intensificou, tornando-se uma sensação boa.

Ainda decidida a expulsar o desânimo, resolveu fazer algo diferente. Encaixou os sapatos debaixo do braço para protegê-los e, sem ligar para os olhares curiosos das pessoas ao redor, deu um passo à frente. Saiu da mísera cobertura plástica que ainda barrava as gotas de chuva e levantou o rosto. Sentiu as gotas batendo na pele, escorrendo pelo queixo, pescoço, peito, barriga e cintura, até finalmente se juntarem à poça que encharcava seus pés.

Noemi ficou parada assim por um tempo, apreciando a sensação incomum e imaginando quantas das centenas de milhões de pessoas que moravam na cidade estariam sendo banhadas por aquelas águas naquele exato momento.

“Provavelmente só você, Noemi.”

A luz do táxi se aproximando a despertou de seu devaneio. Assim que ele pousou na área designada, foi até o veículo e esperou que a porta se abrisse. Mas não abriu.

“Droga de velharia!”

Ela deu um chute na porta, o que fez o veículo se abrir com um suspiro do mecanismo pneumático que havia sido liberado.

— Desculpe por isso, dona. A porta está enroscando. A chuva só faz piorar, sabe?

A voz do motorista saía de um alto-falante que ficava ao lado da tela brilhante onde seu rosto era exibido. Ele não estava ali — era um veículo autônomo controlado remotamente —, mas a imagem borrada e cheia de estática permitia à passageira contemplar seu rosto gorducho envolto por fones de ouvido grandes e cheios de luzes coloridas.

— Não tem problema. — Ela sorriu. — Já estou toda molhada mesmo. — Não foi difícil ser simpática. O breve momento na chuva tinha elevado seu espírito.

— Me desculpe, vou mandar consertar isso. — O rosto do motorista sorriu na tela. — Qual o destino, moça?

— Complexo norte-nordeste, via quatorze, sentido centro. Torre trinta e quatro, por favor.

— É pra já. Aperte bem o cinto.

— Não vai fechar a porta?

— Ué, não fechou?

Soltando um suspiro, Noemi se levantou e puxou a maçaneta interna, fechando-a com um baque forte.

— Pronto, tive que fechar na mão.

— Me desculpe por isso, a porta está…

— Sim, sim, está enroscando por causa da chuva, você já disse. Por favor, estou com pressa.

— Sim, é claro, me desculpe. — O rosto do motorista se fechou um pouco. Ele olhou para baixo e acionou alguns comandos à sua frente, fazendo o veículo decolar e ganhar velocidade rapidamente.

Arrependida pela breve grosseria, Noemi tentou amenizar, puxando papo com o rapaz e recolocando no rosto seu sorriso amigável:

— Me desculpe por ter sido rude. É que eu perdi hora hoje e não quero me indispor com minha amiga. Ela está me esperando, vai apresentar seu namorado.

— Sem problemas. Você é policial?

Aquilo lhe chamou a atenção. Por que ele queria saber isso?

Percebendo a hesitação da passageira, o rapaz logo acrescentou:

— Vi pelo registro da câmera que você saiu do prédio da polícia, por isso estou perguntando.

— Oh, sim, é claro. Me desculpe. — Repreendeu-se pelo excesso de desconfiança.

— Você não tem cara de policial. — O rapaz sorria simpaticamente. Suas bochechas gorduchas ficaram um pouco vermelhas.

— Ah, não? — Decidiu brincar um pouco. — E eu tenho cara de quê?

— Hum, deixe-me analisar. Rosto fino, traços orientais bastante evidentes, mas misturados… Eu diria que um de seus pais tem ascendência japonesa. Acertei até agora?

— Muito bem. — Ela abriu um sorriso ainda maior. — Mas o que isso tem a ver com a minha profissão?

— Só estou esquentando… vamos lá. Cabelos longos, bem cuidados, lisos, mas com movimento… Suas roupas são de marca, estilosas. Dá pra ver mesmo estando molhadas. E as botas embaixo do seu braço são também muito chiques.

— Oh, droga! Tinha esquecido delas. — Tirou os sapatos dali e os colocou no banco. Começou a usar as meias para enxugar um pouco os pés.

— Não, não estrague suas meias. Tem umas toalhas de papel no compartimento à sua frente. Pode pegar.

— Obrigada.

Enquanto Noemi pegava algumas toalhas para se enxugar, o rapaz continuou:

— Considerando tudo isso, eu diria que você trabalha no ramo do entretenimento. É dançarina? Tem cara de dançarina.

— Dançarina? — Ela riu um pouco. Decidiu concordar. — Sim, você acertou, sou dançarina. Como soube?

— Suas coxas grossas. São sinal de alguém que usa muito as pernas para dançar.

Noemi sentiu seu sorriso querendo desaparecer. O comentário inoportuno mudou imediatamente o clima da conversa, tornando-a sombria e deixando o ambiente dentro do táxi bastante pesado.

Lutando para não deixar sua consternação transparecer, segurou o sorriso da melhor forma que conseguiu. Ajeitou-se discretamente no banco, tentando encolher um pouco as pernas. O brilho das lentes da câmera à sua frente, que ficava incomodamente na altura da cintura, lhe queimou na retina. A vontade de soltar um xingamento e parar o veículo ali mesmo era enorme, mas já estava atrasada, então decidiu apenas encurtar o papo.

— Bem… você acertou.

O rapaz sorriu de volta e não disse mais nada.

Noemi cruzou os braços e virou o rosto para o lado. Permaneceu assim por um tempo, observando a cidade pela janela. As luzes das centenas de apartamentos dos prédios pelos quais passava brilhavam nas gotículas de chuva grudadas no vidro do táxi.

— Que chuva, não? — A voz interrompeu o silêncio.

— É… Que chuva — ela respondeu.

— Você não tem guarda-chuva? Está toda molhada.

“Se eu tivesse, não estaria toda molhada!”

A resposta que saiu foi muito mais educada do que isso:

— Não, esqueci no escritório.

— Escritório? Dançarinas tem escritório?

“Que saco!”

— Desculpe, quis dizer no estúdio. Esqueci no estúdio, tive que sair correndo.

— Saiu correndo? Depois de dançar, ficou provavelmente toda suada, e ainda saiu nessa chuva? Vai ficar resfriada.

Dessa vez a resposta saiu com uma boa dose de rispidez:

— Da minha saúde cuido eu, muito obrigada!

— Ei, eu só estava puxando papo. Que coisa!

— Me desculpe, eu…

Noemi ficou sem saber o que dizer. O remorso de ter sido grosseira com o rapaz veio misturado com uma vontade de mandá-lo para os piores confins do planeta. Tentou manter a classe, lutando para parecer o exato oposto do que sentia. Olhou para o pequeno cartaz que trazia as informações do motorista. Seu nome era Osvaldo Tavares, tinha vinte e três anos de idade.

— Olha… Osvaldo, estou atrasada, estou sim toda encharcada, quase perdi meus sapatos. Não, não tenho guarda-chuva. E me desculpe se estou sendo grosseira, não foi minha intenção.

Exibiu seu sorriso mais amável enquanto se desculpava, o que surtiu o efeito desejado, pois a simpatia retornou ao rosto do rapaz.

— Tudo bem. Escute, pode se secar, use as toalhas, tem um monte. Pode pegar todas, se precisar.

— Obrigada.

Ela suspirou e começou a retirar as toalhas e passar pelo rosto e cabelos. Quando começou a secar o pescoço, ouviu a voz novamente:

— Tem toalhas suficientes?

— Acho que sim, obrigada.

— E você vai conseguir secar o corpo todo?

— Hein?

— Não seria melhor se você… tirasse a blusa e as calças? Eu prometo não olhar.

Imediatamente, Noemi tirou sua jaqueta e a jogou sobre a câmera.

— Não, me desculpe moça, eu…

— Pouse este veículo, agora!

— Não dá, eu…

Noemi encontrou o botão de emergência que ficava ao lado do banco e o pressionou. Imediatamente o táxi começou a fazer um movimento descendente.

— Por favor, moça, não me denuncie! Eu não fiz por mal, eu… é que eu te achei muito linda, de verdade, eu…

— Cale a boca!

O rapaz ficou quieto o restante do tempo em que o táxi demorou para chegar até o chão.

Assim que o veículo pousou, a porta não abriu.

“Droga!”

Noemi esticou o braço e puxou a maçaneta, mas não conseguiu abrir o veículo. Depois de tentar algumas vezes, disse, com voz firme:

— Abra a porta!

— Eu já disse, está emperrada por causa da chuva.

Ela retirou a jaqueta da câmera e aproximou seu rosto da tela o máximo que conseguia. Tentando não deixar transparecer seu nervosismo, disse:

— Eu menti, antes. Eu sou policial. Você não vai querer que eu mostre meu distintivo, vai? Porque se eu fizer isso, você vai estar muito mais encrencado do que com uma simples reclamação por comentários inapropriados durante a viagem.

— Não, não, p-por favor!

— Achei que não. Vamos, faça alguma coisa para abrir a porra da porta!

— Eu vou tentar uma coisa aqui, só um minuto…

O rapaz começou a apertar vários botões desesperadamente, até que um clique se fez ouvir dentro do veículo. Noemi imediatamente puxou a maçaneta e a porta se abriu com um estrondo.

— Obrigada. — A palavra educada saiu de sua boca sem que se desse conta, e não combinou com a força exagerada que usou para fechar a porta do táxi. Um enorme barulho fez parecer que algo tinha se quebrado ali dentro.

“Ih, será que quebrei algo?” — Seu senso de responsabilidade completamente fora de hora a surpreendeu. Respondeu a si mesma: — “Ora, foda-se! Já estava quebrada mesmo. E por que diabos está se preocupando com esse merda, Noemi?” — O diálogo interno provocou um acesso de riso momentâneo.

Olhou ao redor para avaliar sua localização. Não estava longe de casa. Respirando fundo, olhou para cima para receber mais algumas gotas de chuva no rosto antes de começar a caminhar.

Depois de alguns minutos na chuva, o riso tinha desaparecido, e a sensação de pés molhados e roupa encharcada já não tinham mais nada de agradável. Somente um pensamento ocupava sua mente:

“Motorista Osvaldo Tavares. Avaliação: zero estrelas. Comentário: tarado filho da puta!”

***

Enquanto subia as escadas, preparava-se mentalmente para enfrentar a fera. Tatiana certamente estaria brava por causa do atraso, e não pouparia esforços em jogar na cara da colega de apartamento sua falta de consideração e amizade. Eram amigas há bastante tempo, mas Noemi sentia que, ultimamente, se esforçava demais para manter a relação afetuosa.

— Tati, me desculpa. — Foi a primeira coisa que disse ao ver a colega de quarto sentada na mesa da pequena sala de jantar comunitária.

— Noemi? — respondeu a amiga. — O que aconteceu? Por que está toda molhada?

— É uma longa história. O táxi que eu peguei…

Parou ao ver que o rosto de Tatiana estava emburrado. Ela tinha vinte e seis anos, sendo, portanto, dez anos mais jovem do que Noemi, mas muitas vezes agia como se fosse uma adolescente. Essa era uma dessas vezes. Ficava emburrada e conversava em poucas palavras até que Noemi se humilhasse e pedisse desculpas. Não querendo enfrentar essa tática mimada da colega de apartamento, mudou de assunto:

— Bem, mas não me atrasei por causa disso. Fiquei presa no trabalho, houve um assassinato.

— Sim — disse Fernando, animado. — Mataram um robô lá na Caipilândia.

Fernando era o colega de apartamento das duas. Os três dividiam cerca de quinze metros quadrados que eram suficientes apenas para três míseros cubículos, onde cabiam suas camas e pouca coisa além disso. Não havia sala, cozinha, ou mesmo banheiros dentro do apartamento. Esses cômodos eram compartilhados com outros trinta apartamentos que ficavam no mesmo andar. Era em uma dessas áreas compartilhadas — uma pequena sala de jantar em frente às escadas — que o pequeno grupo se encontrava.

— Fernando! — reprimiu Noemi. — Isso é falta de respeito.

— Ai, desculpa, ô mãe! — Fez um gesto exagerado com as mãos unidas em súplica. — Me perdoa, não vou mais chamar aquela gente de caipira, tá bom, assim, chatice?

Noemi riu com o jeito do amigo. Ao olhar de volta para Tatiana, o riso minguou. Acrescentou:

— Enfim, eu não tenho muitos detalhes, mas precisei despachar alguém para apagar o incêndio antes de sair da delegacia. Eu não queria me atrasar, sinto muito. Cadê seu namorado?

Tatiana levantou o queixo e não respondeu nada.

— Está ainda mais atrasado que você, Noemi — cutucou Fernando. — A Tati está soltando fogo pelas orelhas. Qual será a desculpa que ele vai dar?

Noemi olhou para a bancada que havia ao lado da mesa e viu um pacote fechado de comida chinesa, ao lado de um vinho que sabia ser extremamente caro. Sentiu-se mal por ter atrapalhado a noite da colega, ainda que não fosse a única culpada.

— Eu sinto muito, amiga — disse Noemi. — Deve ter acontecido algo, com certeza.

— Espero que sim, não seria nada legal ser apunhalada nas costas duas vezes na mesma noite.

Noemi contou até dez, não querendo soltar um comentário ríspido e piorar as coisas. Fernando, sem papas na língua, pareceu ler seus pensamentos:

— Ai, quanto drama! É só esquentar no micro-ondas e pronto! Ainda bem que você chegou, Noemi, fica aí com a chorona enquanto eu vou tomar banho. Parece que tem um chuveiro livre. — Levantou-se e saiu do cômodo.

— Quer saber? — disse Tatiana. — Eu vou é abrir esse vinho. Me acompanha?

— Oba, vinho? — Era Nicolas, o vizinho do apartamento ao lado, que chegava com um prato de comida pronta para esquentar no micro-ondas.

— Me acompanha, Noemi? — repetiu Tatiana, olhando para Nicolas com olhar desaprovador. — Esse vinho não é para qualquer um, não!

— É claro que sim — consentiu Noemi, um pouco constrangida. De fato, o vinho aparentava ser de uma marca bastante cara. Devia custar muito mais do que ela mesma podia gastar com bebidas em um dia de semana.

Os colegas de apartamento Tatiana e Fernando tinham mais dinheiro do que Noemi, que gastava quase todo o seu salário de delegada com o aluguel. Apesar de ser um quarto minúsculo em um apartamento minúsculo, e apesar de ser obrigada a dividir sala, cozinha e banheiros com outros trinta apartamentos, não era barato, pois o prédio era muito bem localizado. Além disso, o apartamento ficava no ducentésimo terceiro andar, um dos últimos, o que era extremamente valorizado naquela cidade tomada pela poluição. Com isso, e depois de manter seu guarda-roupas atualizado, não sobrava muita coisa para comprar alimentos mais refinados do que lanches leves, macarrão instantâneo e bebidas lácteas industrializadas. Beber um vinho chique era, pelo menos para Noemi, um luxo reservado às noites mais especiais do ano.

Tatiana não fazia muita questão de esconder sua melhor condição financeira. Estava particularmente irritada naquela noite, e não demonstrou um pingo de solidariedade ao entornar dois copos da bebida valiosa sem oferecer igual dose à colega, que bebericou o líquido saboroso aos poucos. Também começou a esnobar, falando da tarde de compras que tinha passado no shopping:

— Eu comprei esse vestido na Maximus, não é lindo? Combina bem com a minha bota da Herz. Acha que o Teodoro vai gostar?

— Eu não sei, não o conheço, né? — respondeu Noemi, sem graça.

— Ele vai gostar sim, é refinado. Ele vive me pedindo para comprar roupas bonitas, arrumar meu cabelo, esse tipo de coisa.

Apesar da irritação crescente, Noemi sentiu um pouco de pena de Tatiana. A colega tinha o rosto fino, olhos castanhos sonhadores, maçãs do rosto proeminentes e uma boca cheia, cujos lábios generosos se destacavam pelo sorriso fácil. Ela tinha um corpo esguio, resultado de muitas horas de malhação. Seus cabelos eram loiros e lisos por causa do forte tratamento que fazia para clareá-los e acalmar os cachos naturais que insistiam em aparecer. Estava muito longe de ser feia, mas por algum motivo achava que precisava sempre se esforçar mais do que o normal para parecer atraente. Teodoro, pelo jeito, estimulava esse tipo de comportamento, ao desprezar sua beleza natural em prol de atributos estéticos mais artificiais.

— Ah, Fernando está chegando — disse Noemi, olhando para o colega que se aproximava em seu caminhar gingado. Estava ficando frio. Os poucos goles de vinho não foram suficientes para afastar a sensação gelada da roupa molhada na pele. — Vou aproveitar e tomar um banho. Prometo que volto rápido. Ainda estou meio molhada por causa da chuva.

— Não pode deixar pra tomar banho depois? — resmungou Tatiana. — Teodoro já está quase aqui. Você já demorou pra caralho pra chegar e agora quer atrapalhar ainda mais o jantar?

Noemi cerrou os punhos. Depois passou as mãos nas pernas. Estavam muito úmidas e frias. Cruzou os braços, tentando se aquecer um pouco. Mais uma vez, segurou um xingamento dentro da boca. E mais uma vez, foi Fernando quem a salvou.

— Ô, capeta! — ele disse, enquanto terminava de secar seus cabelos. — Não está vendo que ela está toda molhada de chuva? Vai logo, vai, antes que alguém ocupe o chuveiro — disse, dirigindo-se a Noemi.

Dando uma última olhada para a cara emburrada da amiga, Noemi se levantou e foi até seu quarto para pegar uma roupa seca e sua toalha. Assim que abriu a porta, chamou:

— Andrei?

O robô saiu de seu pequeno cubículo atrás do armário. Olhou-a com a simpatia e admiração de sempre ao responder:

— Boa noite, Noemi. Como foi seu dia?

— Estou com pressa, sem papo. Está tudo bem aqui?

— Aconteceu algo.

— O quê? Diz logo, tenho que tomar banho.

— Apareceu uma barata no corredor.

— Barata? — Um arrepio lhe subiu pela espinha.

— Eu sei que você não gosta. Por isso estou avisando.

— Mas e aí? Só isso?

— Bem, ela… desapareceu.

— Ai meu Deus! Onde?

— Não sei, eu procurei, mas…

— Tira tudo daqui e coloca no corredor, já! Espirre veneno em tudo que é canto e tape todos os buracos.

— Tudo? Até o armário?

— Sim, esvazie o armário, olhe dentro de minhas roupas, sapatos, tudo! Ou melhor ainda, leve o armário para o corredor e esvazie-o lá.

— Está bem, Noemi. — Seu rosto sereno e bem desenhado lhe trazia uma paz infinita. — Pode ficar tranquila.

— E coloque uma roupa ao fazer isso. Não quero que as vizinhas fiquem te desejando enquanto trabalha.

— É claro, Noemi.

O robô foi até seu pequeno cubículo para colocar uma calça e camiseta por cima da cueca justa que usava ao ficar sozinho. Enquanto isso, ela fez o gesto contrário. Tirou sua roupa molhada e a jogou na cama, dando mais uma ordem ao seu robô:

— Aproveite e coloque para lavar e secar, por favor.

— Considere feito — ele respondeu em sua voz gentil.

Noemi colocou um roupão e chinelos de borracha. Pegou sua toalha e um vestido leve, porém comportado, apropriado para a noite que teria. Deixou um ocupado Andrei para trás enquanto se dirigia ao banheiro no final do corredor. Antes de se afastar muito, virou-se e disse:

— Ah, Andrei?

— Sim?

— Obrigada.

— Não precisa agradecer. — O robô sorriu antes de voltar a arrastar o armário para fora do quarto.

***

— Sério? — Teodoro sorria sarcasticamente. — Dois anos?

— Está bem, já chega! — reclamou Noemi. Sua irritação agora estava chegando ao limite.

— Sério. — Tatiana ignorou o apelo da amiga. — A última vez que eu vi Noemi com um homem foi antes da última eleição. Acho que é a idade chegando, as rugas aparecendo…

— Tati! — Seu olhar agora era de súplica. — Você está bêbada, pare!

Estavam terminando a terceira garrafa de vinho. Teodoro tinha trazido mais duas, sendo que Tatiana bebeu uma praticamente sozinha. Ela disse:

— Quero dizer… sem contar o Andrei né? — Quando bebia, a amiga perdia a noção de ridículo ou o respeito pelos amigos. Naquela noite, por ter se irritado com Noemi antes, parecia ainda mais disposta a fazê-la passar vergonha.

— Quem é Andrei? — perguntou Teodoro, que estava tão irritante quanto a namorada.

— Ela tem um robô particular, só pra ela.

— Uuuu, você é rica assim?

— Que nada — respondeu Tatiana, em tom de deboche. — Ela herdou de uma tia, avó, quem foi mesmo, querida?

— Foi um salvamento, eu não o herdei de ninguém. Já te expliquei isso, Tatiana.

— Me diz uma coisa, Noemi — Teodoro se aproximou com um ar de malandragem no rosto —, você já… transou com seu brinquedinho?

Noemi corou. Não acreditava no que estava ouvindo. Antes que pudesse responder, foi obrigada a ouvir ainda mais:

— Iiiiih, é quase toda noite! Dá pra ouvir tudo, com essas paredes finas… — Tatiana começou a falar, mas foi interrompida por Fernando.

— Eeeeeee já está na hora de ir pra cama, Tati. Você já está daquele jeito de noovoooo, está entendendo?

— Não enche, Fer! Estou aqui com meu n-namorado gostoso.

Teodoro olhava para Noemi, que estava desconcertada pelo rumo da conversa. Ele finalmente pareceu perceber o clima ruim e disse:

— Tati, meu amor, acho melhor você ir para cama. A gente continua amanhã, que tal?

— Que excelente ideia! Está combinado — respondeu Fernando, erguendo a moça bêbada para guiá-la até seu quarto. Ela começou a balbuciar alguma coisa sem sentido, mas parecia não querer arrumar confusão:

— Hã? S-sim, amanhã, p-pode ser então. Boa noite.

Enquanto carregava a colega, Fernando olhou de forma aliviada para Noemi, que murmurou um “obrigada” entre os dentes. Ela estava agora sozinha com Teodoro.

— E então? — perguntou o rapaz.

— O quê?

— O que achou de mim? A Tati estava doida para me apresentar a você.

— Estava, é?

— Sim, ela te admira muito, sabia? Sua opinião é muito importante para ela.

— Hum…

— O que foi?

— Nada, só acho que minha opinião não deveria fazer diferença. Afinal, o que eu tenho a ver com vocês dois?

— Bem, agora que assumimos o namoro, eu vou começar a vir aqui com mais frequência.

— E daí?

— Se você não gostar de mim, vai ser difícil a nossa convivência.

— Ah, sim. — Noemi abriu um sorriso. — Quanto a isso, não precisa se preocupar. Eu gostei de você. — A mentira saiu fácil de sua boca.

— Mesmo?

— Sim, você é legal. Muito simpático.

— Também gostei de você. — Ele sorriu de volta.

— Que bom. A Tati vai ficar feliz então.

— Vai.

Um silêncio incômodo se fez presente. Noemi desejou que algum vizinho entrasse ali para pegar um copo de água ou preparar alguma refeição, só para quebrar aquele clima esquisito. Mas, incrivelmente, as dezenas de moradores daquele andar decidiram ficar em seus cubículos naquele momento.

— E você gosta de trabalhar na prefeitura? — perguntou Noemi, querendo puxar um assunto. — Trabalha com logística, não é?

— Sim, trabalho.

— E o que você faz?

— No momento?

— É.

— Estou em busca de algo.

— E o que seria esse algo?

— Eu estou trabalhando com essa firma, sabe? Ela é boa, eficiente, mas não é exatamente o que eu queria. Eu precisava de algo mais… algo melhor.

Noemi ficou em silêncio, sem entender direito do que ele estava falando. Ou sem querer entender. Ele, que estava com os braços cruzados até então, apoiou os cotovelos na mesa e colocou sua mão sobre a de Noemi. Disse:

— Eu acho que essa firma não tem as qualidades que eu procuro, sabe? — Ele acariciava as costas da mão dela enquanto falava.

O primeiro instinto foi o de tirar a mão dali imediatamente; mas não o fez. Um turbilhão de pensamentos confusos e mal elaborados passou pela cabeça dela. Os acontecimentos do dia reverberaram em sua mente, desde o assédio no táxi até as provocações descabidas da colega, primeiro desprezando-a e depois humilhando-a. E agora se apresentava uma oportunidade perfeita. Podia se vingar dela, machucando-a de verdade. E ainda aproveitaria para matar a saudade de ter um homem de carne e osso em seus braços.

Ele era charmoso, não podia negar. Seus cabelos eram sedosos, levemente ondulados e bem aparados. O rosto tinha traços retos e uma barba com aparência malfeita, mas obviamente planejada. Os olhos sedutores eram envoltos por pálpebras que permaneciam semicerradas o tempo todo, e sobrancelhas finas e arqueadas. O nariz longo e a boca grande completavam um visual bastante atraente. Era mais velho do que Tatiana. Na verdade, tinha quase a mesma idade que Noemi.

Os pensamentos maldosos continuavam pipocando. Além de ter uma idade mais avançada, ele provavelmente estava com Tatiana apenas por conveniência ou por gostar de ter uma cachorrinha obediente ao seu lado. Por outro lado, ele desejava Noemi, não havia mais dúvidas agora. Seu olhar a devorava sem pudor, saltando dos olhos para a boca entreaberta dela com uma respiração acelerada. De repente, ela percebeu que ainda não tinha mexido a mão, que permanecia recebendo as carícias indevidas.

— Vamos sair daqui? As paredes são muito finas, você a ouviu. Mesmo bêbada, ela vai escutar.

— Não! Está maluco? — Finalmente conseguiu puxar a mão para longe do toque pegajoso do homem.

— Mas você me quer, não quer?

Mais uma vez, demorou para agir. Ela queria dizer que não. Mas não estaria sendo completamente sincera. Ele sorriu, satisfeito com a hesitação dela.

— Vamos, o que eu preciso falar para te convencer? Que você é muito mais gostosa do que ela?

— O quê?

— Porque isso é óbvio demais. Ela tinha me alertado que você era bonita, mas minha nossa… eu não esperava tudo isso!

— Eu não acredito!

— Vamos, Noemi. Vamos sair daqui.

— Não! Eu não vou trair minha amiga. Ainda mais com um cafajeste como você.

— Sério? Achei que vocês viviam competindo e brigando.

Aquilo foi a gota d’água, suficiente para tirá-la do breve momento de tentação. Sentiu-se envergonhada. Uma pequena parte dela estava mesmo disposta a aceitar a falta de caráter do homem à sua frente. Também não podia negar que seu ego foi afagado pelos elogios à sua beleza, principalmente depois dos comentários maldosos de Tatiana. Mas o fato de que ele queria tirar proveito da relação conturbada das duas deixou claro que era um doente, cruel e manipulador.

Em sua mente, desferia um belo chute no meio das pernas do infeliz. Quando ele se dobrava para a frente em resposta à dor testicular, enfiava a palma da mão em seu nariz, fazendo-o engolir o próprio sangue misturado com o veneno que cultivava na língua podre. Mais uma vez não seguiu seu instinto, evitando assim uma agressão gratuita que seria difícil de explicar depois. Ao invés disso, apenas levantou-se e disse:

— Você não presta. Não sei o que Tatiana viu em você.

Começou a caminhar a passos rápidos para seu quarto.

— Ah, não quer mais, agora? Até pouco tempo atrás queria! — Ele se levantou também e começou a segui-la enquanto falava.

A porta do quarto se aproximava. Ele continuava falando sem parar:

— Ah, e não adianta contar para ela, viu? Eu vou dizer que você se ofereceu para mim, e ela vai acreditar.

Ela entrou no quarto. Antes de fechar a porta, disse:

— Pode até ser que não acredite logo de cara. Mas não vai demorar para perceber o lixo que você é.

Fechou a porta com um estrondo. Teodoro continuou falando do outro lado:

— Vou dizer que você estava cansada de foder com um robô e que queria um homem de verdade! Ela vai acreditar porque é verdade!

Olhou para o lado. Andrei estava ali. Tinha acabado de arrumar tudo e esperava em pé ao lado do armário.

“Malditas paredes finas!”

— Andrei, eu…

— Com licença, Noemi.

O robô a afastou gentilmente com o braço e abriu a porta, dando de cara com o homem mal-educado gritando no corredor.

— Opa — ele disse, debochado. — É você o consolo dessa daí?

Andrei não respondeu verbalmente. Em um movimento rápido, acertou um violento soco no nariz do humano à sua frente, derrubando-o no chão. Desconcertado, o homem limpou o sangue do rosto com as costas da mão. Sem dizer nada, levantou-se e se afastou lentamente, acompanhado pelos olhos atentos do robô.

Ele fechou a porta e encarou Noemi. Ela estava com lágrimas nos olhos. A tristeza tinha tomado conta de vez.

— Dia ruim, pelo jeito? — ele disse.

— O pior.

— Mas eu matei a barata.

O que parecia improvável aconteceu. Em meio às lágrimas, um sorriso apareceu no rosto de Noemi. Andrei sorriu também, com seu rosto cheio de compaixão, como sempre.

— Obrigada, Andrei.

— Não precisa agradecer, já disse.

Eles ficaram sem falar nada por um tempo. Noemi pensou em Tatiana. Por mais que não se dessem bem, ela achava que a colega não merecia ficar com um homem como Teodoro. Iria procurá-la no dia seguinte, logo cedo. Mas se bem a conhecia, não iria adiantar. Teodoro tinha razão. Ela acreditaria nele, e não nela. Podia ficar quieta e não falar nada, mas isso seria ainda pior, pois certamente o cafajeste iria abrir sua boca e injetar suas mentiras na cabeça da namorada. Sem o relato contrário de Noemi, iriam parecer ainda mais verdadeiras.

“E seria verdade, não? Você pensou MESMO em se deitar com ele!”

Cansada demais para continuar naquele suplício e querendo que a noite terminasse logo, Noemi soltou um suspiro e disse a Andrei:

— Venha, preciso de mais um favor.

— Qual?

Ela se deitou na cama e tirou a calcinha.

— Diga que me ama.

— Eu te amo, Noemi.

— Diga de novo, e venha logo para a cama.

— Eu te amo, Noemi.

Capítulo 2 - Sujeira no sapato

Noemi não teve nenhum sonho. Se teve, não conseguiu se lembrar.

A luz acendeu automaticamente, no exato momento em que os alegres acordes de uma música animada começaram a tocar. O despertador a tirou de seu descanso, trazendo-a graciosamente de volta para o mundo real. Sentia-se fisicamente revigorada e bem-disposta, como em quase todas as manhãs, mas bastaram poucos segundos acordada para que as cenas da noite anterior lhe voltassem à mente, trazendo um peso amargo ao estômago.

Esfregou os olhos e esticou os braços para tentar reativar os membros entorpecidos. O relógio marcava sete horas da manhã. Ajoelhou-se na cama e abriu a persiana da pequena janela que havia ao lado, deixando entrar um intenso brilho avermelhado. O Sol já tinha começado sua viagem diária pelo céu, que amanheceu limpo. Do alto do ducentésimo terceiro andar da torre onde morava, tinha o privilégio de ver o disco solar passeando acima da linha dos arranha-céus. A maioria das pessoas da cidade só podia ver o Sol perto do meio-dia, que era quando ele conseguia ângulo suficiente para enviar seus raios luminosos até o chão, passando livre entre as intermináveis laterais dos edifícios. Em qualquer outra hora do dia, a cidade era banhada por sombras escuras e frias que deixavam o mundo descolorido.

A vista deslumbrante era um dos motivos pelos quais o aluguel consumia boa parte de seu salário. Não que houvesse muitas opções de moradia barata, afinal uma cidade superpopulada cobrava caro por cada centímetro de espaço disponível; mas Noemi pagava um valor exorbitante, muito mais do que cabia em seu orçamento, apenas pelo privilégio de ver a luz do Sol todos os dias. E ela tentava aproveitar essa regalia sempre que podia, acordando bem cedo para vislumbrar o astro-rei na mesma linha que as grossas camadas de poluição que afligiam a cidade. Os tons de vermelho e dourado transformavam a vista de sua janela em uma verdadeira pintura onírica.

Enquanto apreciava os primeiros momentos do dia, chamou pelo robô:

— Andrei?

Não ouviu resposta. Saiu da cama e foi olhar dentro do cubículo onde ele ficava, atrás do armário. Havia apenas espaço para um leito estreito, da largura de seu corpo e quase nada mais, onde ele se deitava para regenerar seus músculos cibernéticos. Estava vazio. Não era incomum que o robô saísse de casa sozinho. Além de cuidar das compras para Noemi, repondo a pequena despensa com produtos de higiene e comidas para o dia a dia, ele também precisava cuidar de sua própria manutenção. Não se lembrava da última vez que o robô tinha passado por um checkup completo. Talvez estivesse na hora. Ou talvez — e isso a fez se sentir mal — o murro em Teodoro tivesse provocado alguma avaria. O pensamento a lembrou:

“Tatiana. Vai encará-la, Noemi?”

A pergunta era retórica. Era quase impossível não esbarrar na colega nas tumultuadas manhãs do complexo residencial, fosse na fila dos banheiros, na aglomeração na cozinha, durante o café, ou na longa espera pelo elevador. Não querendo adiar o inevitável, colocou um robe, pegou a escova de dentes e saiu apressada. Esse era outro motivo para acordar cedo: os banheiros ficavam mais vazios. Como recompensa, a sorte lhe sorriu, pois havia apenas três pessoas à sua frente e nenhuma delas era Tatiana.

Depois de voltar ao quarto, gastou um tempo escolhendo as roupas para o dia que começava. As botas seriam as mesmas do dia anterior. Andrei as tinha deixado no local de sempre, no armário de sapatos. Estavam sequinhas e limpas, parecendo novas. Escolheu um par de calças jeans de tons claros, quase brancos, e uma camisa social verde-escuro. Depois de vestir o coldre velado, prendeu sua fiel pistola na cintura. Era pequena e discreta, quase não aparecendo sob o cós, mesmo quando não usava um casaco. E não usaria um naquele dia, pois estava ensolarado e a previsão anunciada na pequena tela do despertador indicava que o clima permaneceria assim até a noite. Isso significava que provavelmente os climatizadores iriam sofrer para manter o ambiente suficientemente fresco.

Depois de se maquiar, olhou-se no comprido espelho que ficava atrás da porta. Ficou satisfeita com o visual limpo e estiloso, mas não pôde dizer o mesmo do olhar que seu reflexo devolveu. Seu rosto era a mais pura preocupação.

“Calma, ainda é cedo. Teodoro deve estar dormindo. Não deve ter falado nada para ela.”

Respirando fundo, abriu a porta. Assim que deu um passo para fora, ouviu a voz de Tatiana vindo do final do corredor. Noemi foi caminhando devagar. Assim que chegou na cozinha comunitária, viu a amiga conversando no seu comunicador, e suas esperanças desapareceram assim que percebeu com quem falava.

— É? Ahã… sei… tá bom. — Tatiana se virou para encarar Noemi. Os olhos castanhos, normalmente alegres, estavam sérios. — Não, não tem problema, depois a gente conversa com calma, Téo.

“Maldito fofoqueiro madrugador!”

— Ela chegou — disse Tatiana, ainda encarando Noemi. — Pode deixar, eu estou calma. Um beijo, meu amor.

Ela não estava calma. Assim que desligou o aparelho, jogou-o sobre a mesa violentamente. Com fúria nos olhos, disparou, sem se preocupar em manter um tom de voz educado:

— E aí? O que tem a dizer, sua vaca?

Noemi fechou os olhos e contou até dez.

***

Assim que o táxi decolou, Noemi pegou um pequeno espelho para retocar a maquiagem dos olhos. Borraram um pouco por causa das lágrimas que tinham conseguido escapar. Não foram muitas, pois a discussão foi breve, mais explosiva do que emotiva. Tatiana estava completamente irracional, sem querer ouvir qualquer argumentação lógica. A impressão era que ainda estava um pouco embriagada. Por causa disso, Noemi logo decidiu que seria melhor ir embora antes que as coisas ficassem ainda mais feias, mas o pouco que ouviu foi suficiente para fazer os olhos lacrimejarem.

Olhou pela janela do veículo voador. As cores vívidas da manhã que tinha apreciado ao acordar não eram visíveis ali embaixo. Somente tons cinzentos de concreto preenchiam o campo de visão. Ainda demoraria alguns minutos para chegar à delegacia, de modo que teria tempo para remoer as palavras duras ditas há pouco. Não que quisesse, mas elas ecoavam sem parar:

— Tati, eu sei o que o Teodoro falou, mas me ouça, por favor!

— O que foi que ele falou?

— Ele deve ter te falado que eu dei em cima dele assim que você saiu.

— Adivinhou. Por que será?

— Não foi isso o que aconteceu. Me escuta!

— Vai, pode mentir.

— Eu não vou mentir. Por um momento, eu realmente pensei em ficar com ele.

Tatiana pareceu momentaneamente desconcertada. Certamente não esperava uma confissão tão sincera. Noemi aproveitou a deixa para se explicar melhor.

— Mas foi só um pensamento, só isso. Eu estava com raiva de você, pelo jeito como você me tratou antes, como me humilhou…

— EU te humilhei? Quem foi que me deixou plantada aqui por horas antes do jantar?

Era inacreditável. Tatiana conseguia distorcer qualquer argumento. Noemi tentou voltar ao assunto importante:

— Mas eu não fiz nada! Eu só pensei, foi uma tentação, um momento de ódio, e só. Foi ele quem começou a se atirar pra cima de mim, pegou na minha mão, disse pra gente ir embora daqui. Foi ele, Tatiana! Eu não fiz nada! Ele sim, é um cafajeste. Ele não… te merece, Tati.

Foi difícil soltar as palavras gentis diante de tanta agressividade, mas a esperança de manter a amizade falou mais alto. Não surtiu efeito algum. A colega pareceu ignorar o tom de voz conciliador e continuou em um monólogo raivoso:

— Eu sei por que você fez isso. Foi porque eu insinuei que você está ficando velha, não é? Não tenho culpa se o tempo está passando pra você, querida.

— Tatiana… você não está me ouvindo.

— Você sempre faz isso, Noemi. Você não percebe, mas faz isso o tempo todo. Você me olha como se fosse superior. Sempre acha um jeito de falar que é mais bonita do que eu, que os homens acham você atraente. Adivinha, amiga? Agora EU tenho namorado e você está ficando encalhada!

Foi nessa hora que as lágrimas começaram a escapar. E foi nessa hora que ficou claro que não adiantava mais discutir. Disse:

— Não vou mais conversar com você, Tati. Você está muito irritada e eu preciso trabalhar.

— É, dói ouvir a verdade, eu sei. Vai! Vai trabalhar pra ganhar sua merreca de salário. Aproveita e vê se não tem um velho lá na polícia que te queira, assim você desiste de tentar roubar o homem das outras.

O táxi fez uma manobra ascendente para pegar uma via de maior altitude. Os prédios ficavam mais borrados à medida que o veículo ganhava velocidade.

No pequeno espelho, Noemi conferia seu retoque. Ficou bom. Não havia mais manchas escorridas. O delineador destacava os traços asiáticos dos seus olhos, aumentando e estendendo a curvatura das pálpebras e escurecendo a área dos cílios.

Abaixou um pouco o espelho, mirando-o no queixo e bochechas. Esticou a pele do pescoço com os dedos. Ficou melhor. Forçou um sorriso. Duas linhas de expressão se desenharam ao redor dos lábios. Ao desfazer o gesto, as bochechas caíram um pouco. Lembrou-se de sua mãe, que sempre reclamava da própria aparência, dizendo que tinha bochechas de buldogue. Noemi a repreendia, dizendo que era exagero, mas no fundo reconhecia na mãe a característica marcante da idade. E sabia que a genética a colocava no mesmo caminho.

“Noemi, não a deixe entrar na sua cabeça!”

Tatiana tinha razão em uma coisa: Noemi se achava mais bonita do que ela. Sempre se esforçou para não agir de maneira inadequada, mas, pelo jeito, tinha fracassado. É difícil esconder os verdadeiros sentimentos quando se convive com alguém. Doeu saber que a amiga sofria silenciosamente com a postura, ainda que involuntária, de Noemi.

“Você sempre faz isso, Noemi. Você não percebe, mas faz isso o tempo todo. Você me olha como se fosse superior.”

Fechou o espelho e os olhos, tentando afastar o pensamento e impedir que novas lágrimas brotassem.

— Tudo bem aí, linda? — A voz feminina ecoou dentro do táxi.

Noemi abriu os olhos e encarou o rosto da motorista que sorria na pequena tela brilhante.

— Oh, sim, está tudo bem. Eu só… não foi nada, está tudo bem.

— Vai demorar… — a condutora olhou para baixo — dezessete minutos para você chegar no seu destino. Dá tempo de trocar uma ideia, se quiser.

O sorriso da moça era carregado de ternura. Ela tinha percebido o estado de espírito de Noemi. Será que era tão óbvio assim? De fato, estava ajeitando a maquiagem, mas isso não queria dizer muita coisa. Olhou para seu rosto com mais atenção. Era fino e delicado. Um piercing enorme na sobrancelha chamava a atenção, assim como a enorme quantidade de sombra escura ao redor dos olhos. Os cabelos multicoloridos eram curtos e espetados, brilhando como néon. Um batom quase preto desenhava sua boca de forma bem evidente, destacando os dentes brancos na imagem de péssima qualidade transmitida para o veículo.

— Eu tive uma briga com uma amiga, agora há pouco.

— Sei.

— E ela… nós dissemos coisas tristes uma para a outra.

— Entendo.

— Bem… na verdade… — Noemi começava a se abrir — eu fiz algo ruim, e ela disse algo ruim em troca.

— Sei.

Fez-se um silêncio desconfortável.

Noemi não sabia direito o que esperar. Não queria se abrir, mas agora que tinha começado a falar, esperava alguma resposta, alguma palavra de apoio ou um gesto amigável. Olhou para a placa identificadora. O nome da motorista era Shelly. Um nome estrangeiro, diferente. Mas seu registro era dali mesmo, do distrito da capital.

— Você diria… — Shelly finalmente falou — que foi uma troca justa? O que você fez e o que teve que ouvir em resposta?

— Não.

— Quem saiu perdendo nessa troca?

— Eu.

Era mentira. Não queria admitir sua parcela de culpa na história toda. Sem saber direito o porquê, acabou corrigindo-se:

— Não sei. Eu acho que ela foi injusta comigo, mas eu também não fui muito legal. Eu não tenho sido muito legal. Acho que mereci ouvir umas verdades.

— Hum…

— O que foi?

— O que você disse, é incomum. As pessoas não costumam admitir quando erram.

Fez-se um novo silêncio. Mas desta vez, não foi tão desconfortável. Não trocaram mais palavras até o fim da viagem. Foi apenas quando o táxi chegou ao destino que interagiram de novo:

— Sã e salva. Tenha um bom dia — disse Shelly.

— Você também. Obrigada.

— Tchau, linda.

Enquanto caminhava em direção ao prédio da polícia, pensava na breve conversa com a motorista desconhecida. Tinha sido muito parecida com as conversas que se tinha com motoristas, no geral: poucas palavras, perguntas genéricas e respostas diretas, sem profundidade. Foi exatamente assim. Mas, ao mesmo tempo, foi uma interação mais marcante e modificadora, pois Noemi sentia-se melhor do que quando tinha entrado no táxi. Abriu seu comunicador e digitou sua avaliação antes que esquecesse:

“Motorista Shelly do distrito da capital. Avaliação: cinco estrelas. Comentário: obrigada pela troca de ideias.”

***

O departamento estava em polvorosa. As pessoas falavam alto, mais do que o normal. Noemi já estava prevendo uma certa comoção por causa do assassinato, então não se admirou.

Seu plano era, assim que chegasse ao escritório, fazer algumas ligações para se atualizar sobre o crime. A primeira coisa era saber se a perícia já estava terminando seu serviço. Normalmente demorava vinte ou trinta horas, mas isso em casos de vítimas humanas. Não fazia ideia de como agiriam no assassinato de um robô. Também precisava liberar Gimenes e sua equipe. Depois de se informar, iria até o local.

Enquanto se dirigia à sua sala, percebeu que a comoção não era, pelo menos em sua totalidade, causada pelo crime incomum. As pessoas pareciam… felizes! Duas policiais riam abertamente ao lado da pequena cafeteira na copa.

— O que está acontecendo aqui? — Noemi tentou não parecer antipática, mas falhou. As duas fecharam a cara ao se depararem com a chefe.

— Bom dia, chefe. Tudo bem? — uma delas respondeu. Seu nome era Bruna.

— Calma, não precisam ficar preocupadas, não estou brava. — Esforçou-se para amenizar o clima. — Só vim pegar um café. E aí? Por que tanta alegria?

— Você não sabe? — respondeu Natália, a outra policial. — Achei que estivesse sabendo.

— Sabendo do quê?

— Os Milenares vão se apresentar hoje. Faz tempo que não vejo um show deles.

— É hoje? Tinha esquecido completamente — disse Noemi. — Vai ser no distrito noventa e oito? Noventa e nove?

— Noventa e dois.

— Verdade. É longe. E não é dos melhores, né?

— É um dos piores! — corrigiu Bruna. — O Marone me levou numa boate por aquelas bandas, mês passado. Eu prometi que nunca mais colocaria os pés lá. Mas para ver os Milenares eu quebro a promessa.

Noemi tinha comentado com Tatiana e Fernando sobre esse show. Já tinha visto a banda formada inteiramente por robôs, e era muito boa. Além da música de qualidade, os eventos eram conhecidos por ter uma produção excelente. Tinham combinado de ir juntos.

— Não sei se vou poder ir — disse, desanimada.

— Por quê?

— Uns problemas pessoais. E tem esse assassinato, não faço a menor ideia de como está a situação.

— Assassinato? Que assassinato?

Noemi se irritou.

— Do robô. Não viram o memorando?

— Não! Robô? Mataram um robô? Mas por que fariam isso? — Natália perguntou, atônita.

— Terminem logo esse café e vão logo para suas mesas, assim vocês ficam sabendo.

— É claro, Noemi, desculpe — disse Natália.

— Já vamos, Noemi — acrescentou Bruna.

Para a crescente irritação de Noemi, por todos os lugares que passava, mais se falava da tal festa do que do assassinato. Assim que entrou em sua sala, ouviu uma batida na porta. Era Ramiro:

— Noemi?

— Bom dia, Ramiro. Não me venha você também falar do show dos Milenares, hein?

— Por quê? Você não gosta? Achei que adorasse.

— Temos coisas mais importantes para fazer hoje.

— Que pena. Eu ia até te convidar para irmos juntos. Dançar coladinhos…

Noemi não retribuiu o sorriso brincalhão. Sem graça, ele acrescentou:

— Certo. Não é uma boa hora, talvez mais tarde. Por enquanto, trabalho! Aloísio, da perícia, ligou há meia hora. Já liberaram a cena.

— Já? Droga! Por que terminaram tão rápido?

— Não sei, não perguntei.

— E Gimenes?

— Também ligou, disse que a situação está feia. O local ainda está seguro, mas tem tumultos se formando nos arredores. Parece que houve briga, o diretor da polícia já mandou um batalhão para lá. E falando nisso… você não vai gostar da próxima.

Os ombros de Noemi caíram.

— Pode falar.

— O diretor pediu para você entrar em contato assim que chegasse aqui. Ele parecia puto.

— Merda! — Certamente sofreria uma reprimenda por não ter acompanhado o caso mais de perto desde o primeiro momento.

— Quer que eu saia para você falar com ele com privacidade, chefe?

— Não, porque você nem me viu aqui.

— Hein?

— Eu cheguei, mas você nem ficou sabendo, porque eu fui direto para a Cidade dos Ingleses, entendeu? — Deu uma piscadela.

— Certo. — Ele sorriu. — Boa sorte, chefe.

— Obrigada, vou precisar.

***

O local estava uma bagunça. Havia muitos repórteres e curiosos perambulando por ali. Torceu para que pelo menos a cena do crime estivesse mais vazia. A perícia já teria registrado tudo em imagens e vídeos, mas era sempre melhor ver as coisas com os próprios olhos.

Assim que o veículo da polícia se aproximou da Cidade dos Ingleses, Noemi ficou impressionada, pois nunca tinha estado ali antes. Era um bairro diferente. Enquanto no restante da cidade predominavam linha retas de concreto e vidro, ali era o oposto. Até havia alguns poucos edifícios modernos, com linhas assépticas e paredes lisas, mas as construções eram, em sua maioria, baixas e em estilo antigo, incluindo algumas casas térreas, muitos sobrados e alguns pequenos edifícios de tijolos e madeira. As superfícies eram adornadas por detalhes esculpidos sem nenhum padrão artístico bem definido, que iam desde uma imitação de folhas e flores até padrões geométricos e mosaicos escolhidos sem muito critério.

Não havia árvores visíveis nas praças e esquinas, apenas calçamentos e ruas pavimentadas. À primeira vista parecia tudo muito bem conservado, mas um olhar atento rapidamente revelava um certo abandono no lugar, com cimento gasto, pinturas descascando, tijolos caídos e uma grande quantidade de musgo e vegetação brotando nas rachaduras. Parecia que o tempo tinha parado no meio de uma transformação muito importante sem que as pessoas se dessem conta, e o resultado era aquilo ali, uma mistura meio indefinida entre novo e velho.

Muitos moradores estavam fora de suas casas. Sentavam-se em grandes cadeiras em frente às portas ou em bancos nas praças. Seus olhares eram desconfiados, ora demonstrando medo, ora revelando ira contida. Ninguém acenava ou cumprimentava. Conversavam entre si com a cabeça baixa e olhos atentos.

Apesar do aspecto meio deplorável, o bairro era conhecido pelos aluguéis altíssimos. Era o metro quadrado mais caro da cidade, ainda que os moradores não espelhassem tal valorização. A exemplo da arquitetura, suas roupas eram rústicas. A moda ali, pelo que parecia, era completamente alheia ao que se via no resto da cidade, desafiando as tendências de requinte e personalidade que a maioria das pessoas almejava. Tecidos xadrez e panos crus dominavam as vestimentas de adultos e crianças. Seus rostos pareciam igualmente despojados: tanto os homens, com suas barbas fartas e emaranhadas, quanto as mulheres, com cabelos lisos mal penteados e ausência de maquiagem.

Mas o mais estranho, sem dúvida, era a claridade. Não havia edifícios enormes nem arranha-céus escondendo o Sol. A luz intensa feria os olhos dos forasteiros mal-acostumados com um céu sobre suas cabeças. Noemi era um desses. Por sorte, tinha um par de óculos escuros na bolsa, que usou para aliviar o incômodo.

Assim que chegou perto do local do crime, avistou seu subordinado.

— Gimenes?

— Oh, Noemi, finalmente! Está difícil aqui, chefe.

— O que houve?

— Tem dois grupos se formando a uns duzentos metros daqui. O batalhão já foi chamado, mas não chegou ainda. Celso estava lá agora há pouco e disse que está dando medo.

— Por quê?

— Por causa da aglomeração. Tem gente vindo de todo canto da cidade, revoltada com o crime. Estão pedindo a cabeça de alguém. E tem o povo do bairro. Parece que… — Hesitou.

— Querem mais sangue?

— Bem, não sangue, porque robôs não sangram, não é? Mas basicamente, é essa a impressão sim, chefe. Parece que não gostam muito de robôs por aqui.

— Não entendo. Robôs são adorados por todo mundo.

— É um negócio religioso. Dizem que são seres sem almas, imitação de humanos feitas pelo demônio, bobagens desse tipo.

— Mesmo assim, a ponto de cometer um assassinato? Não acho que fariam isso. Nunca se viu nada parecido.

— Bem, se eu tivesse que apostar num dos grupos, eu chutaria que o assassino está no meio dos barbudos de camisa xadrez e suspensórios. Você não, chefe?

— Eu não faço apostas. Me mostre o local do crime, por favor.

— É pra já.

Gimenes guiou Noemi entre as ruas até chegarem a um galpão de três andares. Por trás das enormes portas de correr, viam-se janelas compridas que não deixavam muita luz entrar. Passarelas metálicas penduradas no teto davam acesso aos equipamentos em diferentes níveis. Pareciam silos ou caldeiras, mas havia também roldanas, rolos e esteiras para transportar o que quer que fosse produzido ali. Como se adivinhasse os pensamentos dela, Gimenes explicou:

— Antigamente, isso aqui era uma usina siderúrgica. Depois foi desativada e transformada em uma fábrica de reciclagem. Plástico e metal, principalmente.

— Hum.

— O que foi, Noemi?

— Interessante escolha do local para o crime.

Gimenes não estava entendendo. Noemi tirou os óculos e o encarou, esperando uma reação, mas este apenas levantou os ombros.

— Reciclagem? Metal e plástico? Robôs são feitos de quê, Gimenes?

— Ah, certo. Bem observado, chefe!

Enquanto caminhavam, Noemi notou que os policiais que estavam ali pareciam mais descontraídos do que deveriam. Achou ter ouvido a palavra “Milenares” em meio aos burburinhos. Irritada, apressou o passo.

De repente, ouviu pequenos ruídos sob suas botas, como se estivesse pisando em grãos de areia ou de vidro. Olhou para baixo e viu uma enorme quantidade de detritos.

— O que…

Parou de falar assim que viu a cena à sua frente. Traços brancos desenhados no chão revelavam o contorno do que claramente tinha sido o local de repouso de um torso humano desmembrado. A poucos metros, uma máquina que parecia ser algum tipo de triturador estava lacrada por fitas amarelas colocadas pela perícia.

Noemi precisou de alguns segundos para absorver a cena. Já tinha começado a formar uma boa ideia do que provavelmente tinha acontecido, mas não precisou continuar, porque Gimenes fez um relato do que havia sido especulado até então:

— A empresa proprietária do robô levou o que sobrou do corpo assim que a perícia terminou. A vítima era uma réplica humana perfeita, modelo masculino. Trabalhava como negociante de tecidos para uma grande empresa do bairro. Provavelmente trouxeram-no para cá ainda vivo, e o colocaram ali mesmo, onde foi executado.

— E como foi? — Noemi não costumava sentir náuseas, mas os detritos crepitando sob seus pés estavam minando seu autocontrole.

— Parece que cortaram seus membros com uma serra simples, que foi encontrada numa lixeira do lado de fora. E aí usaram a trituradora para moer cada pedaço. Bem, se a ideia era reciclar — apontou para o chão coberto de pequenos pedaços de plástico e metal —, acho que faltou juntar melhor os pedacinhos. — Deu um riso debochado.

Noemi não se deu ao trabalho de reprimir a piada de mau gosto. Apenas perguntou:

— E foi antes ou depois de darem um tiro na cabeça dele?

— A perícia acha que foi antes.

A sensação ruim no estômago aumentou. Se o assassino, ou assassinos, realmente achavam que robôs eram seres sem alma, por que se dariam ao trabalho de mantê-lo vivo enquanto destruíam seus pedaços aos poucos? Se era um ato de protesto religioso, tinha toques de crueldade que indicavam algo a mais.

— Ei, como você sabe que deram um tiro na cabeça dele? Eu não tinha chegado nessa parte.

Noemi apontou para um local escuro embaixo de uma escada. Gimenes deu alguns passos e levantou as sobrancelhas, assustado. Nas sombras da escada, entre alguns pedaços de plástico quebrado, via-se um pequeno cubo que fazia parte do que antes era um complicado mecanismo eletrônico. Noemi disse:

— Ligue para Aloísio e peça para voltarem para cá imediatamente. Esqueceram um pedaço do cérebro da vítima no local do crime. E diga que, dessa vez, ele e sua equipe vão ficar aqui até que todos os pedacinhos de plástico espalhados no chão estejam devidamente coletados e catalogados.

— Sim, chefe — respondeu Gimenes, antes de se afastar para obedecer à ordem recebida.

Recolocando os óculos no rosto, Noemi olhou ao seu redor. Os policiais que estavam ali pareciam completamente indiferentes à cena grotesca. Conversavam de maneira descontraída, mal se importando com o fato de que estavam no local de um crime terrível, onde a vítima sofreu uma tortura inimaginável por, provavelmente, um longo período. Robô ou humano, não importava. A crueldade das ações era de causar nojo em qualquer pessoa normal. E a multidão se aglomerando a poucos quarteirões dali era um sinal de que a coisa era muito mais séria do que sugeria o ânimo geral das pessoas.

— Noemi? — um policial a chamou.

— Sim?

— O diretor está vindo para cá, e pediu para que você o esperasse aqui.

— Para onde eu iria?

— Não sei, chefe, só estou passando o recado.

— Está certo, obrigada.

Se o diretor estava a caminho, só podia significar uma coisa: cobrança vinda de cima. Não duvidava que em breve teria que lidar com algum vereador, o prefeito ou até mesmo o governador.

Nesse momento, ouviu o rádio de um colega soltando um aviso geral:

— Atenção! Todo efetivo disponível deve se dirigir à Cidade dos Ingleses para apoio ao batalhão de choque. Houve um incidente, há pessoas feridas. Responder imediatamente!

Noemi deu ordens para que metade da equipe de Gimenes fosse atender à emergência. A outra deveria permanecer ali com ela para acompanhar a volta da perícia e para que ela pudesse receber o diretor.

Olhou para o relógio. Eram oito e meia da manhã.

O dia prometia ser longo.

***

O elevador estava demorando mais do que o de costume. Normalmente, levava quinze minutos para subir os mais de duzentos andares até seu apartamento. Não parava em todos os níveis, e sim a cada cinco andares apenas. Quem não tinha a sorte de morar em um desses precisava usar as escadas para completar o trajeto. Isso também significava que, a cada parada, o fluxo de entrada e saída era intenso. Estava particularmente movimentado naquela noite, e a viagem ascendente já demorava mais de vinte minutos. Pessoas entravam e saíam em praticamente todas as paradas, vestindo roupas de festa, conversando animadamente e tocando músicas dos Milenares em seus aparelhos pessoais.

“Seria ótimo estar saindo para uma festa, agora.”

Noemi estava exausta. O dia tinha sido, como previsto, muito longo. Já passava das dez horas da noite, e não via a hora de chegar em casa, tomar um banho, abrir uma das três cervejas que tinha comprado naquele mês e relaxar em sua cama.

Torcia, é claro, para que Tatiana já tivesse saído. Ela provavelmente estaria no show como todo mundo. Mesmo que a encontrasse, não pretendia interagir com a amiga. Horas atrás, teria cogitado tentar continuar a conversa da manhã. Mas depois de um dia daqueles, e das longas horas passadas com o diretor da polícia querendo saber cada detalhe, não tinha mais energia para um embate dolorido e difícil. Seu superior tinha deixado bem claro que não teria muita liberdade nesse caso, chegando ao absurdo de obrigá-la a aceitar ajuda:

— Diretor, com todo respeito, eu posso muito bem cuidar do caso sozinha.

— Não quero desrespeitá-la, delegada, mas não preciso lembrá-la que estamos com uma bomba-relógio nas mãos, preciso?

— Não, diretor Olivério, mas…

— E eu também não preciso lembrá-la — interrompeu-a, com as sobrancelhas arqueadas e o olhar astuto — que você não conhece muito bem aquele bairro. E não tem nenhuma experiência com esse tipo de caso.

— Para sermos justos, ninguém tem, diretor.

— Exato! Por isso eu insisto que você chame alguém de fora.

— De fora?

— Sim, escute… tem um cara que eu conheço, ele já prestou serviços para a polícia antes. É muito bom para resolver crimes sem solução.

— Estou escutando.

— É um investigador particular, muito astuto, pelo que me falaram.

— Investigador particular? Posso perguntar como o conheceu, diretor?

— Não vem ao caso.

Noemi o olhava com os braços cruzados. Não podia desobedecer, mas também não tinha que aceitar sem protestar. O diretor amenizou o olhar e relaxou a expressão. Sob seus cabelos lisos e grisalhos, fez desaparecer algumas das muitas rugas que se apresentavam em seu rosto idoso. Se não conhecesse bem suas habilidades políticas e manipuladoras, teria cedido muito mais facilmente ao semblante bondoso que exibiu ao dar sua última ordem:

— Eu estou sob muita pressão, Noemi. O prefeito não para de me ligar. Apenas dê uma chance a ele, está bem? Foi bem recomendado. — Estendeu o comunicador para passar o contato.

Noemi encostou seu próprio comunicador no outro, completando a troca de informações. Bateu os olhos no contato recém-adquirido e olhou rapidamente a foto do sujeito. Não dava para ver muita coisa, era uma típica foto sem graça, daquelas que se coloca em documento. Leu os detalhes: “Rômulo Abrantes. Detetive particular. Especialista em adultério, fraudes e segredos industriais. Discrição total. Endereço: D94, V108, T13, A76, S30.”

“Adultério.”

Olhou para o diretor e, por um breve momento, sentiu pena. Imaginou aqueles olhos castanhos cansados chorando ao descobrir traição em seu relacionamento.

— Me desculpe, diretor, eu só não gosto da ideia de que não confia no meu trabalho.

— Não seja tão orgulhosa, delegada. Não acha que toda ajuda é bem-vinda?

— Suponho que sim. Mas não acho que precisamos recorrer a um investigador particular. Tem excelentes detetives no meu departamento.

Engasgou-se com a mentira. Tentou consertar a má impressão:

— Quero dizer, sempre há espaço para novos talentos, mas…

O diretor conhecia bem a situação toda, e sabia que o talento investigativo estava em falta, mas teve bastante cuidado ao interromper aquela frustrada tentativa de esconder a verdadeira opinião sobre seus subordinados.

— Você é muito competente, Noemi, mas é uma só. Considere como um favor pessoal para mim.

Suspirando, ela concordou.

Mais tarde, na delegacia, tentou entrar em contato com o tal investigador, mas não obteve resposta. Já era tarde, então achou melhor não o incomodar. Pediu para Ramiro deixar uma mensagem gravada e foi embora para casa.

O elevador finalmente chegou ao seu destino no nível duzentos, três andares abaixo de seu. Assim que a porta se abriu, seu coração parou de bater por um instante. Tatiana e Teodoro esperavam para entrar. Estavam arrumados. Ela usava uma calça preta justa e um top dourado, e ele, uma combinação de calças e camisa sociais. Seu nariz estava um pouco escuro e inchado, fruto da agressão sofrida por Andrei.

— Oh, boa noite. — As palavras saíram automaticamente.

— Oi, amiga traíra. — A agressão gratuita fez parecer que as últimas quatorze horas não haviam acontecido.

— Tati, eu estou muito cansada, não quero discutir mais hoje, está bem?

— Quem disse que eu quero discutir com você? Vamos, Téo, antes que o elevador vá embora.

— Vamos, querida. — Ele olhava Noemi com um sorriso sarcástico no rosto. — Vamos curtir o show com gente jovem e bem-humorada.

Antes que a porta do elevador fechasse, Noemi não aguentou e soltou:

— Você tem a mesma idade que eu, cara.

Ele colocou a mão na porta, impedindo que fechasse.

— O que foi que disse?

Noemi não queria brigar. Queria que o elevador levasse os dois embora dali para que pudesse enfim relaxar; mas o rosto maldoso de Teodoro provocava uma ira incontrolável.

— Que você tem a mesma idade que eu.

Ele sorriu e deu um passo para fora.

— Ontem você me achou atraente.

— É, mas eu estava meio bêbada, sabe? Olhando melhor agora… sua cara está meio acabada. Parece que amassaram seu nariz, ou coisa assim.

Ele ficou irado. Abriu a porta totalmente e saiu do elevador com uma postura agressiva. Parecia prestes a partir para a violência, mas Noemi não recuou um centímetro sequer. Tatiana o segurou pelo ombro:

— Calma, amor, vamos embora.

— Eu só não quebrei aquela sua coisa porque custa caro. Mas valeria a pena, sabe? Seria muito legal privá-la de sexo por toda a eternidade.

Tatiana riu gostosamente da provocação:

— Boa, Téo!

— Vamos, Tati — ele disse. — Deixa a mal-amada aí sozinha com seu brinquedo.

Entraram no elevador e riram até que a porta fechasse.

Noemi foi até o seu quarto. Andrei a recebeu:

— Boa noite, Noemi.

Ela não respondeu. Cabisbaixa, foi tirando a roupa e deixando-a sobre a cama. O robô recolhia cada peça cuidadosamente, enquanto a olhava, preocupado. Ela foi até o espelho e se olhou por uns instantes. Esticou o rosto com as mãos, fazendo suas bochechas ficarem lisas. Puxou as laterais da barriga para trás, reduzindo um pouco o excesso de pele. Passou a mão nas coxas e virou o quadril para o lado. Continuou se tocando, tateando cada pequeno buraquinho de celulite e delineando as pequenas linhas escuras por onde o sangue era visível sob a pele.

— Dia difícil, Noemi?

Ela o ignorou. Colocou o roupão e foi tomar banho. Não demorou, pois o banheiro estava vazio. O andar todo estava em silêncio. Voltou ao quarto e permaneceu em pé, sem dizer nada. O robô falou mais uma vez, em seu tom de voz compreensivo:

— Quer que eu te satisfaça, Noemi?

Ainda sem falar nada, ela foi até o armário, pegou uma saia curta preta, um cropped top prateado e uma bota de cano longo, também preta. Exagerou na maquiagem, transformando seu rosto em uma máscara de rímel, sombra escura e batom vermelho. Desarrumou os cabelos levemente curvados, jogando parte para a frente para cobrir o rosto como se fossem uma cortina rasgada.

Sem dar atenção ao olhar carinhoso de Andrei às suas costas, olhou-se uma última vez no espelho e saiu de casa.

Capítulo 3 - Metrô

— Tudo isso?

— Sim, senhora.

— Da última vez que eu comprei, era cento e cinquenta.

— Você também deixou para comprar na última hora?

Noemi se calou e entregou os créditos ao atendente mal-humorado, que em resposta apontou uma pequena máquina em sua direção. Ela exibiu as costas da mão esquerda e sentiu um choque quando o aparelho gravou uma tatuagem eletrônica em sua pele, que serviria para que pudesse entrar no galpão e ganhar acesso às áreas permitidas para seu tipo de ingresso.

— E eu ganho alguma cortesia? Um drinque?

— Tem água no banheiro, senhora. — Ele não olhou para ela ao responder. — Próximo! — gritou.

“Filho da puta mal-amado!” — Noemi cerrou os dentes para não deixar o pensamento escapar em voz alta e assim manter o alto astral. Sem perder mais tempo, seguiu o fluxo de pessoas que entravam animadas no recinto.

As dores nas costas e pernas, frutos de um dia extremamente cansativo, desapareceram assim que a música entrou em seus ouvidos e as luzes pintaram suas retinas. O ritmo sonoro contagiava, com batidas simples e uma melodia harmoniosa. As luzes piscavam em consonância com os acordes, completando a sinfonia dos sentidos. Ainda não era a banda, mas sim um som preliminar que animava o ambiente e as pessoas que iam se aglomerando. Mesmo assim, já servia para elevar o espírito de Noemi.

Havia muita gente familiar, a quem ela cumprimentava com um sorriso sincero. Alguns conhecia apenas de outras festas e nem sequer sabia seus nomes. Outros eram mais próximos, como vizinhos do prédio e até mesmo colegas policiais. Todos a cumprimentavam alegres, transbordando a mesma animação que contagiava a festa.

Aos poucos, o lugar ia ficando mais lotado. À medida que mais gente chegava, crescia a ansiedade e a excitação pela entrada dos Milenares. Noemi conhecia a banda. Já tinha ido a diversos shows deles, e sempre se admirava com a capacidade que eles tinham de dominar o ambiente, provocando uma sensação generalizada de bem-estar. Boa parte dessa sensação era provocada pela música, mas todo mundo sabia que o verdadeiro prazer tinha outra origem.

Além dos quatro integrantes que dançavam e cantavam no palco, o staff dos Milenares contava com centenas de robôs cuja função era circular entre os humanos e provocar os melhores sentimentos em seus cérebros biológicos. As vozes afinadas e os instrumentos musicais excitavam a audição. As luzes, a visão. Já os robôs na pista de dança serviam para excitar o tato, completando a experiência sensorial com suas danças, toques, abraços, beijos e outras interações precisamente calculadas e projetadas para maximizar o prazer dos humanos. Os robôs também sabiam agradar as mentes com suas conversas estimulantes e profundas, bem diferentes daquelas que normalmente se tinha com um humano médio. Eles podiam conversar fluentemente sobre qualquer assunto, desafiando os estudiosos com seu acesso praticamente ilimitado às diferentes áreas do conhecimento. Robôs eram artefatos valiosos, sendo raríssimas as oportunidades de interagir com tantos assim de uma só vez, mesmo para os cidadãos mais abastados.

Tudo isso era incluído no preço da entrada, e era o verdadeiro motivo pelo qual esses eventos eram caros e extremamente populares. E eles cumpriam o prometido. Não havia pessoa que saísse de um show deles sentindo outra coisa que não fosse êxtase e satisfação.

Enquanto dançava pelo enorme galpão, Noemi se divertia com a cena recorrente típica dessas festas. As pessoas começavam tímidas, conversando e bebendo, mas ela sabia o que aconteceria assim que o show começasse. Cada ser humano tentaria chamar a atenção de um robô, fazendo as coisas mais ridículas possíveis. Não havia uma regra explícita, e cada robô parecia ter um gosto distinto. Em geral, acreditava-se que, quanto mais um humano se destacasse dos demais, mais atraente seria aos olhos de um robô. Isso gerava cenas cômicas, como saltos desengonçados e movimentos esdrúxulos de braços e pernas, em busca do primeiro contato, da primeira escolha dos desejados autômatos.

Nada disso era, de fato, necessário, pois os robôs distribuíam sua companhia de forma bem equilibrada ao longo da noite, de modo que todos pudessem apreciá-los. Parecia calculado. Ou melhor, era calculado — precisamente calculado — para maximizar a satisfação e os lucros, é claro. Alguns humanos conseguiam ficar mais tempo com um robô, ou mesmo conquistar a companhia de dois, simultaneamente. Outros chegavam até a frequentar cantos mais escuros da festa para um contato mais íntimo. Era raro, mas acontecia, pois os robôs adoravam os humanos.

No entanto, ninguém sabia direito qual era a programação por trás deles. Alguns diziam que eles gostavam mais de pessoas feias, ou imperfeitas, já que eram, em geral, modelos extremamente belos, feitos aos moldes de seres humanos idealizados. Outros diziam que eram as roupas que os atraíam. Todos disputavam sua atenção, tentando descobrir como conquistar um para ficar o máximo de tempo juntos durante a festa, mas ninguém tinha uma ideia muito precisa sobre qual era o segredo.

Exceto Noemi. Ela tinha certeza sobre o que fazer para atrair um robô. E era simples. Bastava prestar atenção.

Eles eram atraídos por pessoas tristes.

Bastava um momento de solidão ou um gesto mais cabisbaixo para que um robô se aproximasse com um sorriso alegre e uma animação contagiante. Em várias ocasiões, depois de uma briga feia com um namorado ou um momento de desânimo qualquer, Noemi fora consolada por um robô prestativo e atencioso. Depois da terceira ou quarta vez que aconteceu, ela finalmente percebeu o padrão. Chegou até a fingir tristeza para testar sua teoria, e deu certo. Era por isso que ninguém descobria o segredo. Todos estavam muito ocupados tentando parecer felizes o tempo todo.

A música fez uma pausa, e a multidão começou a assobiar e gritar. A luz escureceu. Os acordes gravados deram lugar a um som mais volumoso e uma batida muito mais profunda. A luz ficou mais forte em um dos lados do galpão, e logo apareceram sobre o enorme palco os quatro músicos da banda.

Eram dois robôs masculinos e dois femininos. Vestiam roupas sociais parecidas: sapato, calças, paletó e chapéu, todos brancos, em contraste com uma camisa preta. Uma gravata prateada completava o visual, dando um brilho intenso a cada membro do conjunto. Assim que eles começaram a cantar e a dançar em uma harmonia e sincronismo impressionantes, a multidão entrou em polvorosa, pois o saguão foi imediatamente invadido por dezenas de robôs, cada um ostentando um visual único.

Havia robôs do sexo masculino e feminino usando roupas femininas e masculinas em todas as combinações possíveis, que provavelmente atenderiam a todos os gostos. Eles rapidamente se espalharam entre as pessoas, distribuindo sorrisos, apertos de mão, beijos e abraços. Quando tomavam uma decisão, puxavam o escolhido pela mão, afastando o sorridente humano atrás de si até uma área mais reservada ou mais lotada, a depender de sua preferência. Enquanto os sortudos comemoravam, os desprezados choravam, tristes por ter que aguardar a sua vez. Noemi reconheceu um deles: Fernando. Ao vê-la, ele fez um beicinho e se aproximou, com os ombros caídos.

— Nonôôô, você viu? Eu queria tanto aquele ali de chapéu-coco, mas ele escolheu uma vagabunda qualquer.

O amigo tinha prendido seus longos cabelos castanhos em um coque acima da cabeça. Seus olhos escuros estavam envoltos por uma maquiagem preta, e a barba curta destacava os lábios finos e bem delineados pelo batom discreto.

— Fer, me dá um abraço. — Ela passou os braços ao redor do amigo e o apertou com força. Ele retribuiu. — Esquece essas coisas e vem dançar comigo.

— Ah, tá bom, vai, mas só enquanto o chapéu-coco estiver ocupado.

Noemi já esteve naquela situação. Durante muito tempo de sua juventude, apreciou os toques e conversas artificiais. Desejou a precisão da interação promovida pelos robôs, que iam direto ao ponto certo, fosse em uma conversa ou em uma relação sexual. Mal podia contar os dias entre uma festa e outra, entre um encontro arranjado e outro, para que pudesse se saciar com aquelas verdadeiras maravilhas da evolução tecnológica. Na verdade, ela vivia quase exclusivamente para isso. Mantinha contato com dezenas de robôs diferentes. Quando eles não a chamavam para sair, ela mesma ligava para um ou dois, que não negavam sua companhia. Isso a tornou extremamente popular entre os amigos humanos. Era conhecida como a “party girl” dos robôs. Para onde quer que fosse, levava seus robôs, e algumas dezenas de amigos interessados juntos.

Mas, nos últimos anos, seu interesse foi diminuindo. Em parte, foi por causa de sua ascensão dentro da polícia. Os estudos e investigações começaram a ocupar cada vez mais seu tempo. Depois que virou delegada, a coisa só piorou. Jornadas de doze ou quatorze horas tornaram-se cada vez mais comuns, sugando-lhe toda a energia disponível, mesmo nos finais de semana. Aos poucos, parou de ser convidada para festas, seus amigos robôs se afastaram, o que fez seu grupo de amigos se reduzir a um número contável nos dedos de uma única mão.

Mas esse não foi o único motivo pela mudança, pois ela mesma começou a se sentir diferente. Aconteceu pela primeira vez em um encontro com um robô belíssimo com quem tinha passado horas conversando sobre literatura portuguesa. Estava tudo perfeito: velas, vinho e um jantar chique, tudo pago pela máquina. Porém, quando ele a beijou, era como se sua pele estivesse sob o efeito de um anestésico. Por um tempo, achou que fosse algum tipo de formigamento ou problema circulatório. Mas não era. Isso aconteceu outras vezes, não só nos lábios, mas no corpo todo, sempre que era tocada por um robô. Ela chegou a experimentar autômatos do sexo feminino, o que funcionou por um tempo. Mas logo o problema reapareceu. Ela simplesmente não conseguia mais enxergá-los como antes. Ao invés de seres interessantes e prazerosos, passou a vê-los como aquilo que realmente eram.

Objetos.

Depois disso, ela passou a se relacionar somente com homens de carne e osso, o que também não dava muito certo, como Tati fazia questão de lembrar sempre que brigavam. O único ser artificial com quem ainda se permitia algum contato era Andrei, seu robô particular; e mesmo assim, era algo estritamente mecânico, destinado a suprir suas necessidades fisiológicas momentâneas e nada mais.

— Você veio sozinho? — perguntou para Fernando.

— Não, eu vim com o Gil, o Marquinhos, a Bruninha, a Márcia, o Fê…

— Nossa, e cadê toda essa gente?

— Estavam ali… eu saí de perto pra tentar a sorte… Vem, vamos lá.

Fernando a puxou pela mão e a guiou em meio à multidão até encontrarem o grupo de amigos, ou o que restava dele.

— Olha aí, outro desprezado. Bem-vindo de volta, Fernando. — Era Marquinhos, zombeteiro.

— Noemi! Você veio, que legal, faz tempo que não te vejo, mulher! — disse Márcia, aproximando-se e dando um abraço apertado.

— Oi gente, tudo bem? — Noemi fez um gesto acenando para o grupo, que retribuiu, sorridente.

Ela os conhecia relativamente bem. Não eram amigos íntimos, como Fernando, mas já tinham se esbarrado em outros eventos. Eram pessoas alegres, apesar de festeiros demais, até mesmo para seu gosto. E passavam tempo demais falando sobre suas aventuras amorosas. Naquele momento, mais dançavam do que conversavam.

Vez ou outra, passava um robô desacompanhado, e o grupo – com exceção de Noemi – fazia de tudo para atrair sua atenção, mas estava difícil. Como resultado, sobravam gozações e zombaria sobre como eram feios demais para serem escolhidos. Noemi ria com a divertida dinâmica entre os amigos.

“Nós estamos felizes, nenhum robô vai se aproximar” — pensou, mas não disse nada. Não queria revelar seu segredo, pois não queria que eles fossem embora.

Gil começou a dançar mais perto de Noemi. Não tinha certeza, mas achava que ele era o único homem hétero do grupo. Gostando da aproximação, começou também a insinuar seus movimentos, jogando os quadris e virando as costas para ele, rodopiando antes de encará-lo de perto.

— Você dança muito bem, Noemi — ele disse, aproximando seu rosto do ouvido dela para se fazer ouvir. — Tem ritmo, tem um gingado gostoso.

— Obrigada.

— Topa uma dança mais coladinha?

Ela apenas sorriu e se deixou levar pelo rapaz. Gil a segurou pela cintura e encaixou seus quadris nos dela, conduzindo-a no ritmo da música. Assim que perceberam o novo par formado, Fernando e o restante do grupo começaram a gritar e a aplaudir, provocando risos generalizados.

A dança continuou por alguns minutos. Apesar de estarem muito próximos, Gil parecia ter as mãos tensas, rígidas. Sua expressão, apesar de sorridente, não parecia leve. Quando Bruna fez uma provocação, Noemi entendeu o motivo:

— Aí, gente! Será que a Noemi vai finalmente fazer o Gil decidir em qual time joga?

O grupo riu. Gil, não. Apenas apertou Noemi mais junto a si. Ele parecia mais jovem do que nunca. Na verdade, não sabia a idade dele. A julgar por sua expressão, parecia um adolescente confuso. De repente, a diferença de idade entre eles parecia muito evidente.

Nesse momento, um braço esbelto envolveu o pescoço dele. Sem perguntar nem se apresentar, um robô se encaixou entre Gil e Noemi, juntando-se aos três na dança.

— Posso dançar com vocês dois?

Ele tinha os cabelos prateados e curtos, bastante enrolados. Seus olhos azuis se destacavam em meio à maquiagem violeta que usava. Os dentes brancos sorriam de dentro da generosa boca pintada com batom roxo. Apesar de se dirigir aos dois, ele olhava fixamente para Gil. Parecia apaixonado.

— Claro que pode — Gil respondeu.

Sem qualquer cerimônia, o rapaz imediatamente soltou a cintura de Noemi e passou a dar mais atenção ao novo parceiro. Depois de alguns segundos, ele deu uma olhada para ela, parecendo suplicar algo. Ela entendeu. Deu uma piscadela, um sorriso e se afastou, deixando Gil e seu novo companheiro de dança sozinhos.

— Sortudo. — Era Fernando, que chegava ao seu lado.

— Eu achava que ele gostava de mulheres — ela disse.

— Todo mundo achava, mas ele está numa crise de identidade.

Depois disso, para desespero de Noemi, o grupo foi sendo desmantelado aos poucos pelos robôs que apareciam. Quando apenas Noemi e Fernando sobraram, ela disse:

— Vamos tomar um drinque antes que você suma também?

— Eu não vou sumir. Ninguém me quer, amiga.

Ele parecia triste. Logo um robô perceberia isso.

— Calma, sua hora vai chegar. Bora tomar esse drinque logo.

Assim que chegaram no bar, Noemi percebeu que tinha créditos apenas para uma taça de vinho. Se quisesse uma segunda dose, teria que ir embora de metrô para casa. Mas tudo bem, não pretendia se embriagar. Fizeram seus pedidos e logo estavam de volta à pista, observando a multidão feliz à sua frente.

— Acho que estou ficando velho para isso, sabia?

— Velho? Você tem quantos anos mesmo? Vinte e oito?

— Vinte e sete.

— Nove a menos que eu, pare de reclamar.

Ficaram dançando em silêncio mais um pouco. Fernando disse:

— A verdade é que eu não estava muito a fim de vir, hoje. O que eu queria mesmo era terminar aquele seriado irlandês, sabe?

— Sei.

— Devo estar parecendo um perdedor, né? Trocar uma balada “top” como essas por uma noite com pizza e refrigerante na frente de um vídeo.

— Não. Não está.

Noemi entendia muito bem o amigo. A primeira vez que trocou a balada por uma noite com um livro em frente à janela chuvosa de seu apartamento foi uma experiência maravilhosa. Tinha acabado de desvendar um caso que demorou quatro meses para ser elucidado e estava exausta demais para sair. Ela gostou da ideia, e começou a praticá-la cada vez mais. Em doses pequenas, tinha se mostrado uma boa mudança em sua saúde, tanto física quanto financeira. Seu único receio era que isso parecia estar assumindo uma frequência assustadora. Entre o trabalho na polícia, cada vez mais exigente, e as noites de descanso, restava pouco tempo para se divertir.

Mas não naquela noite. Iria se divertir.

— E eu também não estou mais com paciência para esses caras — disse Fernando. — Quem aguenta uma moçada nos seus plenos vinte anos, sete noites por semana?

— É muita energia.

— Seremos só eu e você, Nonô. Dois velhos dançando igual bestas.

— Fale por você. Eu danço pra caralho!

Ela terminou de beber sua taça de vinho e retomou os movimentos sincronizados com a música. Fernando sorriu e ficou ali parado com sua taça na mão, fingindo ser uma espécie de jurado, observando-a com olhar crítico. A cada movimento, ele fazia um sinal com os dedos, como se estivesse dando uma nota.

Cinco. Um rodopio perfeito.

Três. Uma imitação barata de salsa.

Zero. Um tropeço no meio de uma tentativa de contratempo.

Noemi gargalhava, mas não parava de dançar. Tentou fazer uma sequência de giros. Quando terminou, meio zonza, seu sorriso diminuiu. Fernando não era mais seu juiz imaginário em uma competição de dança. Estava beijando um robô sem camisa que usava um chapéu de lã e uma saia escocesa que certamente era muito mais curta do que se via nos livros de história.

Sem se desgrudar de seu companheiro, ele esticou o braço, oferecendo a taça de vinho semiacabada para Noemi. Assim que ela a pegou de suas mãos, ele se ocupou em abraçar o corpo sarado do robô.

Noemi se afastou enquanto bebia o restante do vinho. Sem olhar para trás, começou a caminhar até achar um local mais vazio. Fechou os olhos e começou a dançar.

***

A festa continuava interessante. Mesmo sem companhia, Noemi gostava de dançar e de perambular pela multidão, analisando seus jeitos, seus olhares, suas danças malucas e seus sorrisos. Ela conseguia se contagiar com a alegria do ambiente, e isso era bom.

Em um passado distante, não seria assim. Se, a essa altura da noite, não estivesse na companhia de algum robô em algum canto, estaria frustrada. Depois dessa fase, quando passou a tentar a sorte exclusivamente com pessoas, ficava igualmente à espreita de homens interessantes para apreciar a noite. Se não conseguisse, também ficava frustrada. Agora, não ligava mais.

Primeiro, porque não queria mais contato com o tipo de homem que se encontrava nesses lugares. Eram quase todos iguais, com suas poses mais falsas do que as dos robôs, e seus olhares de caçador enjaulado tentando atrair uma fêmea para seu covil. Em segundo lugar, os homens de sua idade pareciam não frequentar mais esse tipo de festa. Assim como Fernando, às vezes tinha a sensação de que seu tempo tinha passado, que a molecada tinha tomado conta de vez. E a última coisa que ela queria era ser olhada com desdém por algum jovem arrogante.

Estava agora em um lugar próximo ao palco, perto do que parecia ser um pequeno camarote elevado. Era o local dos amassos, onde os robôs levavam seus escolhidos para se satisfazerem.

Apesar de ter se afastado de sua companhia, Noemi não conseguia deixar de admirar a personalidade das máquinas. Cada robô tinha suas peculiaridades. Uns eram mais extrovertidos, outros mais quietos. Alguns gostavam de conversar sobre moda e amenidades, outros gostavam de ciências e artes. Havia os fãs de esporte, de política, de religião, a variedade era imensa. Todos eles tinham uma coisa em comum: uma adoração pelos seres humanos.

Era engraçado ver esse amor em seu olhar. Era como se não tivessem escolha, e talvez essa tenha sido a grande ideia por trás de seu sucesso. Noemi sabia bem como era gostoso ser olhada com desejo genuíno, com paixão incondicional, com… tesão — essa era a palavra — pelos robôs. Até ficar consciente de que era tudo um truque, uma programação artificial, que fazia parte do marketing, é claro.

No camarote, observou uma garota que parecia bem jovem e que estava muito acima de um peso considerado normal. A julgar pelo tamanho dos braços e pescoço, devia pesar cerca de cento e cinquenta quilos. Seus cabelos curtos estavam suados, certamente por causa da dança que praticava, uma espécie de lambada de alta intensidade. Conduzindo-a, um robô de pele negra e quase dois metros de altura a segurava pela cintura, apalpando cada centímetro exposto de sua pele. Ela estava se divertindo. O robô realmente gostava dela, e isso bastava para que se sentisse bem.

Ao lado, um casal de mulheres revezava a companhia de um mesmo robô de cabelos compridos e aspecto andrógino. Um garoto que não devia ter mais de dezoito anos se enroscava nos braços de uma robô que tinha o dobro de seu tamanho. Todos no camarote estavam no mesmo estado de espírito, felizes e contentes com suas companhias.

Exceto por um homem. Diferente da maioria, ele cobria seu corpo com um longo sobretudo marrom. Parecia um tipo taciturno, a julgar por sua cara amarrada e feições duras. E diferente de quase todos que tinha visto naquela noite, parecia mais velho. Calculou que teria cerca de quarenta anos de idade. Não era nada comum.

Mas o que mais lhe chamou a atenção foram as suas companhias. Duas robôs belíssimas o escoltavam até a beirada do camarote. Noemi já tinha visto todo tipo de robô naquelas festas, e sabia que essas duas estariam entre as mais cobiçadas pelos homens, com suas curvas perfeitas e suas roupas finíssimas. Uma delas, de cabelos castanhos, quase vermelhos, usava um vestido longo prateado colado no corpo. A outra, de pele escura e cabelos negros encaracolados, vestia botas, uma saia curta e uma blusinha minúscula. O que será que ele tinha feito para conseguir a atenção não de uma, mas de duas robôs tão especiais?

O homem parecia meio desconfortável com a situação. Assim que pararam de caminhar, trocaram algumas palavras. Noemi reparou que as moças o devoravam com o olhar, sedentas por agarrá-lo a qualquer momento. Sem demorar muito, logo aconteceu o que parecia óbvio. As duas se penduraram no pescoço dele e começaram a beijá-lo. Sentindo-se constrangida pela invasão de privacidade, Noemi se afastou imediatamente.

Enquanto andava, ela ficou pensando naquele homem. Não conseguiu contemplar seu rosto muito bem, mas o que viu achou extremamente bonito. Tinha traços retos no nariz e queixo. Seus olhos pareciam cansados, por causa de algumas rugas sob as pálpebras, mas eram ao mesmo tempo confiantes, dominantes. As sobrancelhas finas contornavam perfeitamente o desenho do rosto. Seus cabelos eram castanhos e bem curtos. E ele tinha entradas no cabelo, sinais da calvície que despontava no horizonte.

Ele não se parecia em nada com os outros homens com quem tinha se relacionado, que normalmente ostentavam uma beleza mais óbvia, mais fabricada. Aquele homem tinha uma aparência crua, natural. Para sua surpresa, aquilo a atraiu profundamente. Fez uma nota mental para retornar ao local mais tarde e conferir se as robôs o tinham deixado de lado depois de se satisfazerem.

Depois disso, Noemi encontrou novamente Fernando, Gil, e outros do grupo. Eles ainda estavam com suas companhias, e apenas acenaram para ela quando a avistaram. Continuou se divertindo, sozinha, e acabou indo parar perto do palco, onde a multidão era mais densa. Foi nesse momento que avistou o odiável casal que, até aquele momento, tinha tido a sorte de evitar.

Tatiana e Teodoro dançavam colados. De olhos fixos um no outro, pareciam hipnotizados pela música alta sendo tocada próxima aos seus ouvidos. Antes que pudesse se afastar deles, viu Tatiana se virando de costas para seu par e começar a rebolar, balançando seus cabelos loiros de um lado para outro e esfregando suas nádegas no quadril dele. Noemi ficou paralisada por uns instantes, sem saber como agir.

Olhou para os lados, procurando um lugar por onde poderia fugir. Mas a massa de pessoas e robôs ali não permitia uma saída fácil. Foi obrigada a ficar grudada em casais de jovens e máquinas se beijando e se abraçando, todos felizes com suas belezas plásticas e sua atração artificial.

Olhou de novo para o casal, e seus olhos recaíram sobre Teodoro. Ao contemplar seu rosto comprido, sua barba malfeita e seu olhar cafajeste, sentiu a repulsa tomar conta de si ao mesmo tempo que um pensamento rebelde se formulou:

“É um filho da puta, mas é bonito, o desgraçado!”

Nesse momento, Tatiana a viu. A princípio, pareceu assustada, mas depois abriu um largo e maldoso sorriso. Ela ergueu a mão e afagou a bochecha do namorado, que respondeu aproximando o ouvido da boca dela. Noemi achou ter lido algumas das palavras ditas em seus lábios: “Noemi”, “sozinha” e “coitada”. Teodoro ergueu seus olhos e encarou Noemi também. Ele sorriu com seu olhar nojento e começou a apalpar Tati com suas mãos viscosas, provocando-a.

Sentiu seu rosto se contorcendo em puro ódio, mas uma pequena parte de sua mente insistia em desafiar sua razão e amor-próprio. Por algum motivo, seus pensamentos eram atraídos para o corpo de Tati, mas substituindo-o pelo seu. Essa parte imbecil de seu cérebro queria fazê-la experimentar o toque grudento de Teodoro. Por que diabos ela o achava atraente?

Noemi percebeu que estava parada em meio à multidão dançante. Finalmente tomou uma atitude e conseguiu se esgueirar entre as pessoas e se afastar dali.

Enquanto andava, sua mente fervilhava. Não conseguia entender o que tinha acontecido nem por que sua mente a tinha traído desse jeito inconsequente. Só pensava em uma coisa:

“Vou pegar o metrô, foda-se. Preciso de mais uma bebida.”

Assim que chegou ao bar, calculou qual seria a bebida de maior teor alcoólico que podia comprar e entregou os créditos ao bartender. Em troca, viu o robô colocar três pequenos copos de destilado transparente à sua frente.

Bebeu o primeiro em um gole só. Depositou o copo de volta, com a boca para baixo.

Bebeu o segundo com a mesma facilidade, repetindo o gesto.

No terceiro, precisou engolir um pouco de saliva antes, para preparar a garganta. Fechou os olhos com força e repetiu a dose, amaldiçoando a ardência que tomou conta.

— Esse é por minha conta.

Abriu os olhos e viu o bartender segurando um quarto copo à sua frente.

— Obrigada.

— Parece que está precisando, garota.

— Oh, estou sim. — Virou o quarto copo e o colocou de boca para baixo no balcão, produzindo um tilintar agudo.

— Sabe, meu amigo ali está de olho em você. Posso apresentá-lo?

Noemi olhou para o lado e viu um robô com os braços apoiados no balcão, a poucos metros dali. Ele a olhava fixamente.

— Está, é? Desde quando?

— Está sim, ele me disse agora há pouco.

— Eu acabei de chegar, como é possível que ele tenha se interessado tão rapidamente?

— Nós, robôs, somos muito perceptivos.

— Sei bem do que vocês gostam.

— Interessante. Me explique, por favor.

Noemi pensou em sua teoria, e em como ela sempre parecia funcionar. Tinha funcionado naquele exato momento, mas não quis discutir com o robô.

— Não. E diga ao seu amigo que não estou interessada.

O bartender pausou por alguns segundos, parecendo desconcertado. Em seguida, ele se afastou e sumiu de vista, deixando muitos clientes insatisfeitos. Mas não demorou para voltar, acompanhado de outro robô idêntico a ele. Não era comum ver mais de um robô do mesmo modelo juntos, e isso causava certa estranheza. A cópia recém-chegada passou a servir as bebidas, e o primeiro se apoiou no balcão. Olhou nos olhos de Noemi e disse:

— Vai, fala comigo.

Ele tinha abandonado sua função de bartender para dedicar sua atenção exclusivamente a ela. Seus cabelos eram brancos e lisos, e se estendiam até os ombros. O rosto tinha formato triangular, com o queixo se destacando embaixo da boca e nariz finos. Seus olhos eram estranhamente brancos, brilhando com as luzes artificiais. Era difícil olhar para eles sem se encantar.

Em outros tempos, isso traria um sorriso no rosto e uma grata sensação de afago no ego. Mas dessa vez, só conseguia enxergar o roteiro pré-programado na fala do autômato. Quase podia ouvir as engrenagens girando suavemente em suas juntas metálicas.

— Não estou a fim — respondeu.

Parecia que ele tinha entendido o recado, pois se afastou. Mas logo retornou, trazendo uma garrafa com um líquido dourado e um copo limpo. Derramou a bebida no copo e o empurrou timidamente. Disse:

— Então você é a primeira. Eu nunca ouvi falar de uma pessoa que não gosta de robôs.

“Que diabos!”

Noemi pegou o copo e virou sua quinta dose em poucos minutos. A cabeça começava a girar. Se continuasse a beber assim, iria se arrepender depois, tinha certeza disso. Ficou olhando quando a sexta dose foi colocada à sua frente. Ela pegou o copo na mão e cheirou o conteúdo. Sentiu uma mistura de mel e canela. Era gostoso.

— Você não viu o noticiário, então? — disse, olhando para o copo.

Imediatamente, o ar descontraído do bartender se anuviou. O robô que o substituía também pareceu ficar de orelha em pé, pois sua postura ficou mais retesada do que antes.

— Sim! Nós… ficamos sabendo. Notícia terrível.

— Acha que pode ser algo recorrente? — Um robô que estava ali perto entrou na conversa. — Se começarem a matar robôs por aí…

Noemi olhou para os lados e viu que vários robôs começaram a prestar atenção. Mesmo sabendo que eram máquinas, sentiu pena de seus olhares assustados, suplicantes por conforto. Era como se os papéis se invertessem momentaneamente. Os robôs, especialistas em agradar e acalmar humanos, agora precisavam desesperadamente de um pouco de alento.

— Não se preocupem, tenho certeza de que não vai acontecer novamente — mentiu.

— Como sabe? — um deles perguntou.

— Sou policial, estou investigando o caso. Não há nada que indique ser um assassino em série. Parece ter sido uma ocorrência isolada.

A fala produziu a reação desejada. Imediatamente a preocupação e as expressões tensas foram substituídas por uma calmaria e sorrisos mais aliviados. Era mentira, é claro. Noemi não fazia ideia da motivação por trás do crime, e nem se o assassino tinha planos de começar uma matança desenfreada.

— Pode nos dizer mais, senhora? — perguntou uma robô baixinha do outro lado do balcão. — Pode nos dar mais informações?

— Sinto muito, é confidencial.

— Aposto que foi um acidente — disse outro robô. — Pode ao menos nos dizer se foi um acidente?

Noemi se lembrou da cena do crime e dos pedaços moídos arranhando a sola dos seus sapatos.

— Não posso dizer nada.

— Sabe, é tão triste viver desse jeito, sabendo que a gente pode morrer a qualquer momento.

Noemi deu um sorriso sarcástico e bebeu sua sexta dose. Disse:

— Bem-vindos à condição humana, amigos.

Isso gerou um riso estranho e descontrolado ao redor. Noemi não pôde deixar de apreciar o senso de humor dos robôs. Até o dia anterior, eles viviam para idolatrar seus amigos humanos sem nenhum tipo de receio. Agora, pelo que parecia, teriam que aprender a conviver com uma pulga atrás de seus dispositivos eletrônicos de audição. A primeira reação tinha sido, ao menos, bem-humorada.

— Qual seu nome, policial? — O bartender estendia mais uma bebida a ela.

— Noemi. E chega disso, já passei do limite. — Noemi pegou seu drinque e tomou um pequeno gole.

O robô guardou a garrafa e apoiou os cotovelos no balcão.

— Prazer, Noemi. Meu nome é Vega-doze. — Ele estendeu a mão para ela.

Apertando sua mão, Noemi terminou de beber e fez uma careta. Não beberia mais.

— Diga-me, Noemi. Por que seu coração se tornou uma esponja de álcool hoje à noite?

— Olha, eu não quero conversar sobre isso, me desculpe.

— Sei que não. Mas talvez você precise.

— Poupe-me de sua psicologia barata. Sei bem como vocês são bons de papo. Não quero me abrir.

— Está bem, me desculpe. Não vou mais incomodar. Só vou dizer uma coisa, posso?

— O que é? — Uma leve vontade de ir ao banheiro começou a incomodar. Esticou seu corpo, demonstrando impaciência.

— Você está com inveja de alguém.

Noemi congelou. Como era possível que aquele robô fosse tão direto ao ponto assim? Olhou para ele. Sorria de maneira amigável, reconfortante.

— Preciso ir ao banheiro. Obrigada pelos drinques.

— De nada, Noemi. Se precisar de companhia, é só voltar aqui.

“Nem morta! Malditos robôs!”

Ela tinha esquecido de como podiam ser tão assustadores, com suas análises precisas e comentários sagazes. Sentiu-se violada, tendo sua condição humana tão rapidamente e corretamente dissecada. Teriam sido suas expressões faciais que a denunciaram? Seus gestos inconscientes? O tipo da bebida?

“Ou será que robôs agora podem ler as porras das ondas cerebrais? Era só o que faltava.”

O pior é que ele tinha razão. Não estava sentindo tesão por Teodoro. Era inveja. Não de Tatiana, nem de seu namorado repugnante. Sentia inveja da condição deles. De todos, na verdade. De Gil, fugindo de seus conflitos nos braços de um robô. De Fernando também, que apesar de toda a reclamação, ainda conseguia se divertir despreocupadamente.

Sua cabeça girava enquanto cambaleava em direção ao banheiro. Assim que entrou, foi direto lavar o rosto com água gelada. A sensação melhorou. Não estava tão bêbada assim. Pelo menos isso tinha melhorado com a idade: sua consciência sobre sua sobriedade melhorou consideravelmente. Olhou para o lado e viu uma moça retocando a maquiagem, borrada na boca, certamente graças a uma longa interação amorosa.

— Me empresta um pouco de base?

Retocou a base embaixo dos olhos, que tinha saído um pouco após lavar o rosto. Satisfeita, agradeceu e voltou à pista de dança. Fechou os olhos e sentiu a música mais uma vez tomando conta. A voz limpa e doce de uma das robôs da banda entoava os versos de uma música que Noemi não conhecia:

“Real é o espírito da juventude, e falsa é a ideia de união. Se hoje tens uma conexão, não a deixe entrar no coração.”

O refrão seguia repetindo vogais sem sentido: “Aoo. Aoo. Aoo. Aoo”. A batida do ritmo dava à música um senso de letargia e desligamento do mundo. Noemi deixou que seu corpo se movesse junto com os compassos bem trabalhados.

Assim que a música terminou, abriu os olhos e o encontrou. O homem charmoso de antes, com seu sobretudo marrom e sua cara séria, agora tinha três robôs em sua companhia. Além das duas beldades, um belo robô, que vestia uma estranha combinação de chapéu-coco, suspensórios vermelhos — sem camisa por baixo — e calças prateadas, tinha se juntado a eles.

“Porra, três de uma vez? O que esse cara tem de tão especial?”

Uma das suas acompanhantes se aproximou e cochichou algo no ouvido do homem. Estava chamando sua atenção em direção a Noemi. Ele a encarou, com seu olhar confiante. Era um olhar vivido, sofrido. Um olhar real.

Nesse momento, o robô de chapéu-coco desceu do camarote e veio até Noemi.

— Boa noite. Qual seu nome, linda dançarina?

Seu rosto era sorridente. Seus olhos, um dos quais estava maquiado com o desenho de uma estrela, a fitavam, analisando-a friamente e adivinhando corretamente o desejo de se juntar àquele homem no camarote.

— Noemi.

— Gostaria de se juntar a nós?

“Sabe que sim.”

Ela exibiu seu sorriso mais simpático e assentiu. Segurou no braço robótico e se deixou levar até o camarote. Eles pararam em frente ao trio formado pelo humano e pelas duas robôs desconfiadas, que se penduravam nele de forma possessiva. O robô de chapéu-coco disse:

— Pessoal, essa é Noemi.

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